16 outubro, 2007

Manifesto dos Palhaços

Os profissionais do picadeiro, das ruas e praças esperam que o circo e o palhaço sejam recursos para uma metáfora digna de suas profissões.
Mário Bolognesi

Somos palhaços.
De profissão.
Arrancamos alegria e riso de todos os corações,
Inclusive dos mais endurecidos.
Crianças e velhos, jovens e adultos, ricos e pobres,
Todas as raças, nações e lugares nos conhecem,
Riem conosco e nos aplaudem.
A cara pintada e o nariz vermelho são nossas marcas.
Ambos denunciam os desmandos públicos, no picadeiro ou fora dele.
Até aqui, estamos juntos.
Mas, eis que, imediatamente, a corrupção vira "palhaçada";
Diz-se das manobras criminosas: "isso é um circo!"
Autoridades duvidosas são chamadas de "palhaços";
Vocês sabem o que é uma palhaçada?
Não?
Então, retornem ao circo e vejam que ela não é escândalo público;
Que não é corrupção – roubo, muito menos.
As comparações e metáforas nos associam às causas impopulares.
Não existe, no mundo, personagem tão popular e querida como nós!
Hoje, Dia Nacional do Palhaço, exigimos:
Basta!
Continuemos protestando, porque isso se faz necessário.
Mas não usem nossa personagem e nossos narizes em vão.
Nossa profissão é criar a alegria e não a corrupção;
É alimentar a vida e a igualdade de todos
E não o roubo de poucos.

Esse manifesto foi criado em março de 2007.

02 outubro, 2007

Nasceu!

Calma! Não tive mais um filho.

Nasceu, na pequena gestação de dois meses, o espetáculo "Lavadeiras da Memória".
Eu e a Andréia estreamos em big stile no auditório do Sesc Vila Mariana, na sexta-feira 28 de setembro. Uma platéia cheia de velhinhos fofos! E amigos especiais.
Não preciso dizer o quanto são tensas as estréias, imagine como foi a tensão individual pela minha estréia como atriz.

Caraca, cada coisa doida que acontece na minha vida.
Desde que trabalho com produção cultural, ou seja, há muitos anos, as pessoas no geral (inclusive artistas mesmo) sempre me perguntavam se eu era atriz. Ou bailarina (tudo bem, porque dancei um tempo). "Ah, não"... e me diziam que eu parecia mesmo atriz. Mas o que é se parecer atriz? Será meu tipo físico? meu jeito de comunicar? Ahn? Existe um esteriotipo? Os amigos mais próximos, inclusive a própria Andréia, me diziam que eu era a "atriz que ainda não saiu do armário".
Sempre gostei de teatro, sempre fui público exigente, já fui produtora de grupo e muitos dos meus amigos e conhecidos estão no meio teatral. Já li muitas peças sem nunca ter feito uma oficina sequer. Lia por puro prazer, como sempre. Pensei em fazer curso livre, prestar vestibular na Unesp, prestar as provas da EAD mas nada nunca dava certo...e não dava certo também porque tenho uma vida corrida e fazer um curso que me toma os dias seria impraticável. Então vinha a vontade mas eu não me mexia muito.

Enfim, não sei se anjos existem, mas eu conheci um. Aliás, uma. Adriana Azenha, diretora e dramaturga, autora dos textos das Lavadeiras, foi o anjo que me arrastou definitivamente para cima do palco. Recebi na surpresa um convite e abracei a idéia. Fui até o fim. Quer dizer, até o fim dos ensaios e a estréia porque ainda tenho muita estrada pra caminhar. Adriana é a minha mãe no teatro. Ela que me impulsionou a nascer a atriz que estava guardada em mim e que agora coloquei pra fora. Alguém que confiou em mim e nas minhas capacidades, que talvez nem eu mesma reconhecesse. Agradeço de coração por tudo.

E que louco! Que louco subir num palco e ver a platéia rir ou chorar. Que maravilha poder atuar na companhia da minha querida amiga-irmã Andréia Santos, que me ensinou e ensina muito. Meu amigo-irmão Ivon, nosso maquiador, que esteve junto desde o convite e desde sempre. Ao meu amigo Wilton pela força e paciência, além da grande colaboração de fazer a luz do espetáculo. Ao diretor musical Douglas Germano, grande músico e marido da Dri, novo companheiro e motivador.

Logo coloco umas fotos aqui, para ilustrar.

28 de setembro - um marco na minha vida nessa nova empreitada.

20 setembro, 2007

Movimento dos Sem-Mídia

Recebi pelo correio da Caros Amigos. Acho que também vou aderir!


A marcha dos “sem-mídia”
por Lula Miranda
Eis que, em meio ao comodismo e indiferença de muitos, surge mais um louvável movimento reivindicatório no seio da sociedade. Ainda incipiente, mas a princípio, notadamente se tomamos por base seus princípios, louvável. Já tínhamos as justas demandas dos sem-terra e dos sem-teto, só para citar alguns dos muitos e vexatórios exemplos de “despossuídos” desse país tão pródigo em riquezas e, paradoxalmente, tão pleno também em desigualdades. Agora é a vez dos “sem-mídia” libertarem-se da inércia, ocuparem as ruas e colocarem a boca no trombone – ou melhor, no megafone. E dizer a que vieram.Foi sem carro de som, mas portando um singelo megafone (comprado a partir de contribuições voluntárias de alguns participantes – a chamada “vaquinha”) que o gerente de exportações e “blogueiro” Eduardo Guimarães, 47, conduziu, naquela manhã ensolarada de sábado, 15/09, das 10h até cerca de meio-dia, a primeira manifestação do “MSM”, o auto-intitulado “Movimento dos Sem-Mídia”.O ato se deu, emblematicamente, na porta do jornal Folha de S.Paulo – este, segundo os integrantes do movimento, um inquestionável paradigma de veículo da mídia que pratica um tipo de jornalismo bastante em voga hoje em dia. Um jornalismo alicerçado num moralismo e “denuncismo” seletivos, espúrios, que protege a uns e ataca a outros. Com o gravame de, em alguns casos – como o da própria Folha – alardearem-se “pluralistas” e “imparciais”. Mas este veículo não é o único e privilegiado alvo do “MSM”. A revista Veja, o “Estadão” e a/o Globo também estão em sua alça de mira – os jornalistas sabujos dos patrões e os que venderam a alma ao mercado (e aos mercadores de mentiras e maledicências), também. Estão previstas novas manifestações no RJ e, mais uma, na cidade de São Paulo. Esta última, em frente ao prédio da Editora Abril, onde fica a redação da revista Veja, numa das margens das pútridas e fétidas águas do Rio Pinheiros.Guimarães leu, sempre franqueando a palavra aos demais manifestantes, um manifesto/documento que foi, ao final, entregue na portaria do jornal. Ao fundo, uma faixa, dentre tantas, onde se podia ler: “Que a mídia fale, mas não nos cale”. Quase todos os manifestantes ostentavam etiquetas no peito onde se podia ler: “MSM”, ou, “MSM – Contra o império da mentira”. Alguns ainda rasgaram cartas e boletos bancários com propostas de assinaturas, e jogaram na sarjeta – literalmente – exemplares da Folha e da Veja.Uma das principais bandeiras do movimento, estabelecidas cabalmente em seu, um tanto prolixo, manifesto (ler em http://edu.guim.blog.uol.com.br), é a defesa do pluralismo e da verdade factual na cobertura feita pela mídia. Os “sem-mídia” se dizem “apartidários”, e acrescentam que, em face disso, não defendem ou estão a serviço do partido X ou Y, do governo W ou Z. Questionam (e condenam) o caráter oligárquico do “mercado” da comunicação no Brasil. E trazem à tona, como pauta de discussão junto à sociedade, importante tema e questão: a informação é “mercadoria” preciosa e estratégica que está nas mãos de poucas famílias – muitas das quais serviram diligentemente ao regime militar e hoje seguem servindo, também de maneira diligente, àqueles que Raymundo Faoro chamava de os “donos do poder”. Também alertam para a gritante impropriedade (isso para dizer o mínimo) de muitas concessões de rádio e TV estarem nas mãos de políticos e/ou de apaniguados destes. Para alguns, decerto, pode parecer pouco um ato em que participaram “apenas” duas centenas de brasileiros, quase todos oriundos da classe média. Mas se levarmos em conta o individualismo e o comodismo dos indivíduos nos dias modorrentos e apáticos em que hoje vivemos, esse feito agregador/arregimentador dos “sem-mídia” não é nada desprezível – ao contrário. Outro dado importante a se considerar: o movimento já “pulula” e espalha seus brados na internet e na “blogosfera” e conta com o apoio, bastante diverso, de jornalistas, professores, intelectuais, desempregados, estudantes, profissionais liberais e outros mais. Lá, no mundo virtual, seguramente, já passam das duas centenas reunidas em SP, já chegam aos milhares.Este observador pode até estar equivocado, mas o “MSM” parece ser uma onda que cresce, de modo espetacular, se agiganta e se espalha. E parece ter vindo para ficar. Assim seja. A marcha dos “sem-mídia” deve prosseguir. Quem ganha com isso é o jornalismo – e o país. E, claro, o povo brasileiro.

Lula Miranda é poeta e cronista. Colabora para veículos da mídia alternativa, como os sites da Carta Maior e da revista Caros Amigos, dentre outros.

18 setembro, 2007

êta país medíocre!!!

Depois dessa, não venham me dizer que eu sou chata porque vivo reclamando a falta de investimento em cultura!

Mais de 40% do municípios brasileiros não têm política cultural, diz IBGE
CLARICE SPITZ
da Folha Online, no Rio

Pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e divulgada nesta segunda mostra que para mais de 40% dos municípios brasileiros a cultura não está na agenda das políticas públicas. Segundo a pesquisa, que compara dados de 2005 e 2006, 42,1% dos municípios brasileiros não têm nenhuma política cultural formulada. Além disso, a pesquisa revela que os municípios gastaram em média R$ 273,5 mil por ano com cultura. O montante equivale a apenas 0,9% do total dos orçamentos municipais. Entre os municípios que afirmam ter uma política para a área, o conceito de cultura não se reduz à realização de eventos. Entre os objetivos mais citados de políticas públicas estão: garantir a sobrevivência de tradições e preservar patrimônios históricos. A pesquisa constata um predomínio de municípios com política cultural nas regiões Sul e Sudeste e nos pequenos Estados do Nordeste. A região Nordeste foi a que mais destinou recursos para a cultura: 1,2% do total da receita arrecadada. Levada a campo no segundo semestre de 2006, por meio de questionários respondidos pelas prefeituras, a sexta edição da Munic investigou a diversidade cultural e territorial dos 5.564 municípios brasileiros. A pesquisa mostra que em 72% dos municípios brasileiros ainda predomina a cultura acoplada a outros temas. Ao se somar esses municípios aos 12,6% outros em que o setor é subordinado a outra secretaria, tem-se que existem hoje 84,6% de órgãos gestores não exclusivos da cultura.

Tropecei e caí no palco


Pois é, gente,


quem diria...

quem diria não, muitos antes já disseram, muitos antes já perguntavam, indignados: mas você não é atriz? Como assim? Eu, sempre modesta: ah, não... ainda não...


Sempre fui público - muito exigente - e até determinado momento de minha vida, quis ser produtora de teatro - e fui. Durante um ano, mas fui. Já trabalhei com teatro durante alguns anos, mas sempre correndo por trás do palco, lá naquela bagunça e correria de bastidores.


Enfim, de tanto correr nos bastidores, tropecei e... caí no palco.


16 agosto, 2007

Painel da Vergonha nº 01

* Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprova renovação da CPMF até 2011.
Enquanto isso nos envergonhamos ao ver que seremos roubados por mais 4 anos. Há um puta erro no título dessa comissão, pois esses senhores esqueceram há muito tempo o significado da palavra "justiça". CPMF de um lado, e de outros e muitos outros, pessoas ainda morrem nas portas dos hospitais por falta de atendimento. Lamentável!

** Renan Calheiros não sente a mínima vergonha ao dizer que sua renúncia é um "gesto de retribuição". Nós, os envergonhados, chamaríamos isso de "trambicagem".

*** Os cansadinhos almofadinhas do movimento (?) "Cansei" deveriam colocar um algo a mais na pauta das suas discussões (há alguma?): estamos cansados de pagar pedágio. Apenas mandar um simples recado ao governador que aprovou a privatização do Rodoanel (Rouboanel, segundo Zé Simão) e a belíssima cobrança de pedágio. Cansada tô eu de tanta vergonha, o tempo todo e há tanto tempo sendo assaltada pelas estradas privatizadas toda vez que vou viajar.

**** O que será mais vergonhoso: o sensacionalismo da TV em cima de um trágico acidente aéreo que matou 200 pessoas ou a omissão em relação aos 686 mortos em acidentes rodoviários no último mês?

***** (hilária) Hebe Camargo é a mais nova integrante entre os almofadinhas cansadinhos do "Cansei". (Um minuto para a crise de risos. Um não, dez.) Além de uma apresentadora medíocre que só sabe falar das bolsas e dos sapatos de seus convidados, e de não ser nada além de uma velha fútil, Hebe Camargo era garota-propaganda das campanhas do Maluf. (agora eu vou ao banheiro). Alguém pode fazer uma cirurgia plástica no cérebro dessa senhora?


Isso é só o começo!

15 agosto, 2007

O Nó

Não poderia perder tempo, a conta seria estrondosa. Já havia passado quinze minutos e eu ali, com as pontas dos dedos vermelhas de tanto mexer no nó. Nessa hora eu vi que os anos de escotismo não me serviram para nada mesmo. Eu olhava novamente o nó, e o despertador. E ela já havia entrado na hidromassagem.
Como eu faria pra sair dessa? Meia hora tentando desatar o laço, e nada! Para me adiantar, resolvi me despir. Uma ansiedade tomava conta de mim. Tirei a camisa, as calças (com uma certa dificuldade), a cueca e o outro pé do sapato. Ela, sem entender o porquê da minha demora, chegou ao quarto. Sua reação ao me ver abaixado, totalmente nu, com apenas um sapato "preso" ao pé, foi cair na gargalhada. Com certeza isso foi broxante pra mim. Eu olhava o nó e a olhava, e aos poucos fui me enchendo de tudo aquilo, nó, mulher, sapato, já não pagaria mais a conta! Humilhação! Ela dizia que me amava!
Esse momento de revolta foi intenso, mas logo fui me acalmando. Aos poucos fui me vestindo, o som da ironia estava se acalmando. O nó já não estava apenas no sapato, mas também em minha cabeça, em meio àquela confusão.
Saí sem falar nada. Desci as escadas, peguei o carro. Nesse momento eu me toquei da experiência que tinha vivido. Perdi um momento de sexo, ganhei um momento de glória. Todo sentimento reprimido dentro de mim foi posto para fora.
Agora sou um novo homem. Nunca mais serei submisso às mulheres, apenas aos nós.

** Esse conto foi escrito por mim em 1995, quando eu tinha apenas quinze anos. Foi encontrado hoje em meio à papelada velha e poeirenta. Arrumar as gavetas é bom, faz a gente se lembrar também de como fomos um dia.

04 junho, 2007

Fala

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será.
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade)

Orides Fontela

25 maio, 2007

Fragmento XII

Se não vos vejo

Vos sinto por toda parte.
Se me falta o que não vejo
Me sobra tanto desejo
Que este, o dos olhos, não importa.

(Antes importa saber
Se o que mais vale é sentir
E sentindo não vos ver.)

São coisas do amor, senhor,
Desordenadas, antigas.
E são coisas que se inventam
Pra se cantar a cantiga.

Não são os olhos que vêem
Nem o sentido que sente.
O amor é que vai além
E em tudo vos faz presente.

Fragmento XII - Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor - Hilda Hilst (1960)

22 maio, 2007

Eu mereço

Sim.
Eu mereço sim.
Coisas boas para mim.

Passei tanto tempo num marasmo, e hoje nem caibo dentro de mim mesma.
Já estava quase desistindo de tudo: um trabalho que tanto desejo, um amor verdadeiro, alegria nas coisas pequenas e mínimas da vida.
Busca desenfreada pela minha própria essência.
Que posso querer mais, além do aprendizado das coisas do mundo e da vida, e ser feliz?

Será muita areia para o meu caminhãozinho? Na, nã, não.
Tem coisas que demoram um certo tempo para acontecer, e tenho acreditado que para isso basta querer, mas esse querer tem que ser verdadeiro, com o coração.
Nessas duas últimas semanas tem me acontecido coisas tão boas e bacanas, que me fizeram cair as fichas de que isso nada mais é do que puro merecimento.
Estou colhendo os frutos do que plantei há tantos anos atrás.
Nem bem os frutos, mas as mudas já despontaram.
E plantar não é suficiente, tive de regá-los muito bem, pouco a pouco.
Mas regar também não basta, você tem que ser paciente, muito paciente, para esperar crescer.
E quando isso tudo crescer, e atingir seu tamanho máximo, não vale o comodismo: é preciso, também, cuidar e não deixar morrer.

Termino por aqui, deixando aquele quê de curiosidade nos raros leitores do meu modesto blog.
E fecho, com um trecho de uma música do André Abujamra, que gosto muito.
Carpe diem!

Tamanho de caminhão
Buzina de fusquinha
Tamanho de lambreta
Força de trator

Nem tudo que aparenta ser é
Tudo que é, é

Pensar é fácil
Fazer é difícil
Sujar é fácil
Limpar é difícil

Casar é fácil
Regar é difícil
Gostar é fácil
Amar é difícil

(da música O Dah Ho - André Abujamra - CD Infinito de Pé)

12 maio, 2007

Mahalab, Aura Sonora

De que a música é o espelho da alma, muitos já ouviram falar. Mas imaginem uma música que não só reflete a alma de quem a faz, e que ao mesmo tempo seja como um espectro, enchendo de cor a alma de quem a sente. Assim me senti ouvindo Mahalab.
Banda de aura sonora, de sentimentos puros, profundos, que nos faz conectar com nosso eu e nosso mundo. Extrema autenticidade no trabalho autoral, caracterizando um estilo próprio original e ousado.
A voz de Jamila Maia preenche os espaços com leveza e suavidade, ao mesmo tempo que exprime força e grandiosidade.
Os dedos de Maurício Verderame deslizam pelo baixo como se tecessem um manto de estrelas (e de alguma forma, me fez chegar até elas!)
Pedro Moreno toca sua bateria como um grande pintor expressionista e suas telas.

Enfim, Mahalab me fez voar sem que eu precisasse, sequer, tirar os meus pés do chão!


http://mahalab.blogspot.com/

11 maio, 2007

Panis et Circensis

Depois do lamentável episódio no show dos Racionais MC´s na madrugada do dia 06 de maio, na Praça da Sé, comecei a pensar mais profundamente na programação da Virada Cultural e até no que isso interfere culturalmente na cidade.
Aqui não me interessa falar sobre a música da periferia, discorrer sobre os shows, espetáculos, não nesse momento, ou sobre a ação da polícia, sobre quebra-quebra, vandalismo ou escândalo. Me interessa falar um pouquinho sobre o que vejo da política pública para a cultura na cidade de São Paulo, ou até sobre a possível falta dela.
Vamos começar pelo orçamento da Virada Cultural 2007, realizada nos dias 05 e 06 de maio. Segundo notícia veiculada na Folha de S. Paulo, "estima-se que o custo seja 33% do orçamento total (R% 12 milhões) da Secretaria da Cultura para 2007". Gente, 33% do orçamento da cultura em apenas 24 horas!!! E as outras 8736 horas do restante do ano? E todo mundo acha lindo apenas uma vez por ano o poder público atuar numa programação que ganha destaque, por conta do tamanho e grandiosidade do evento, e não propriamente, porque prima pela qualidade e pela intenção de transformação no cenário cultural da cidade.
Isso sim acho lamentável.
É a velha política do Pão e Circo.

03 maio, 2007

Melhor herança, impossível

Tenho lido tanto ultimamente, mais do que talvez eu tenha lido no ano passado inteirinho. Isso tem uma razão: no ano passado eu trabalhei mais do que as tetas das vacas leiteiras que abastecem a Parmalat. Não tinha tempo. Quando tinha, só queria dormir, de tanto cansaço. Agora trabalho como gente, em horário de gente, e tenho tempo para ler, e tenho, principalmente, muita disposição para ler.
Estou voltando à fase da devoração dos livros.

Quando eu era pequena, além de dentista (acredite se quiser) e bailarina, eu queria ser escritora. Adorava escrever. No Colégio de São Bento, onde estudei até a quinta série, tinha um jornal interno, publicado pelo pessoal do grêmio escolar (isso ainda existe?), chamado O Bentinho Picareta. Era muito bacana esse jornal. Às vezes eles selecionavam as melhores redações do primário, ginásio e colegial. Publicaram redações minhas diversas vezes.
Minha mãe tinha uma máquina de escrever verde, que eu gostava muito. Pegava folhas de sulfite e escrevia, escrevia, escrevia as minhas estórias sem parar. Inventei gente, inventei mundo, inventei tanta coisa e... hoje sinto saudades de um dia ter sido assim. De um dia ter tido uma imaginação tão fértil e de não ter me preocupado com o que os outros poderiam achar.
Duvido que Machado de Assis, Hilda Hilst, Julio Cortázar, entre mil outros, tenham se preocupado muito com a opinião alheia ao criarem personagens irônicos e às vezes absurdos.
Mas eu não sou a Hilda Hilst ou o Machado de Assis.
Bem, isso não importa.

O que importa é o assunto a que quero me referir: voltar ao velho e bom hábito da devoração de livros. Já estou voltando. Nos últimos dois meses cheguei a ler de 1 a 2 livros por semana. Ainda larguei o Werther no meio, porque ele é suicida e deprê, e eu não estou nesse pique. Tenho momentos e momentos para ler determinadas coisas.

Essa mania eu herdei de minha mãe.
Talvez fique de herança também os seus livros.
E meu padrasto já me deu coleções de obras, principalmente de literatura dramática, algumas escritas até em italiano e francês, que ele herdou de seu avô e nunca leu. (talvez eu tenha que me tornar uma poliglota forçadamente, para não desperdiçá-los).
Juntando tudo, terei leitura para uma vida toda.

Melhor herança que essa, impossível.

02 maio, 2007

Kill Kitty

Tarantino que se cuide. Depois de Kill Bill, a grande novidade é a Kill Kitty.
Acabei de me tornar uma assassina de gatinhos indefesos.

Sábado passado estava eu, no fatídico almoço de família, conversando com a parentada toda, aguardando um bom momento para tomar um café. Enquanto ninguém se decidia ou tomava coragem de ir até a cozinha pôr a água para ferver, conversávamos sobre coisas corriqueiras, uma vez em que parente que se vê todo fim de semana nunca tem muito o que conversar. Sentei do lado do meu avô, no sofá menor, minha avó estava sentada na sua cadeira confortável, minha tia-avó numa outra, e no sofá maior sentou a minha tia, seu marido, meu primo menor (14 anos) se aconchegou no meio dos dois, e a cachorrinha deles pulou em cima dos três. Com o circo familiar armado, surgiu o seguinte comentário: "olha a família toda reunida, falta só o João (meu primo maior)". E eu arrematei "falta o João e o Simba (o velho gato deles)". Meu avô, meio sem jeito, "mas o Simba não dá mais". E eu "como não dá mais". Aí ele respondeu "o Simba já foi". Tomei um susto porque fofoca na família corre rápida e solta, e perguntei diretamente à minha tia "O Simba morreu? Quando?". Ela disse "ah, hoje. Ele estava no veterinário desde terça-feira, com problema nos rins".
Pronto. Era o segundo que faltava para o meu primo se levantar e sair correndo para chorar no banheiro. Aí meu avô, minha tia e minha tia-avó lançaram olhares fulminantes em minha direção, dizendo "não fique falando, não toque no assunto, porque ele sofre!".
Em menos de um minuto minha irmã chega com o meu primo maior, e quando eu fui abrir o portão, maldita boca "Ana, o Simba morreu hoje, a tia só me contou agora".
Pronto. Era o segundo que faltava para o meu outro primo entrar na casa começar a chorar também.
Aí me lançaram, em dobro, mais olhares fulminantes, que diziam "olha só o estrago que você fez". E ainda pra ajudar, minha irmã "Você entrou falando aquilo e o João nem sabia".
Pronto. Era o segundo que faltava, agora sim, para eu abrir a minha maldita boca e falar um monte:
"Isso é normal, chorar a perda do nosso bichinho é sempre normal. Não tentem poupá-los desse sofrimento, porque isso é impossível. Deixe que sofram e que chorem."

E assim, metaforicamente, me tornei uma assassina de gatinhos.
E é aqui onde coloco todos esses poréns:
1) nenhum deles tem 4 ou 5 anos, para que tenham que dar mil voltas para contar um fato que por si só, já diz o inevitável, que é a morte.
2) mal sabem eles que com 11 anos de idade minha periquita (ave, hein) Ceci morreu na minha mão, enquanto eu passava remédio no seu bico. Eu sobrevivi!
3) mal sabem eles que, aos 14 anos, ninguém teve coragem de levar a nossa gatinha Bolinha para o sacrifício (a mando do veterinário, porque não havia mais jeito), e lá fui eu, carregando a gata no balaio e chorando no caminho. Eu também sobrevivi!
4) o pior exemplo que posso dar para isso tudo é que eu espero que eles nunca percam um amigo, como eu perdi há alguns anos atrás, assassinado brutalmente, sem motivos. Uma pessoa que tinha uma vida inteira pela frente, 27 anos de pura alegria, alguém que vou trazer comigo para sempre. E, apesar do peso todo dessa perda, eu também sobrevivi.

Sobrevivi, e cá estou para contar essas histórias e muitas outras mais. Viver que é duro, minha gente, morrer é ganhar a chance de se libertar.

Paz.

27 abril, 2007

Eu não sei escrever

Analogia escatológica: meu blog é uma bacia esmaltada. Nela descarrego a minha dor de barriga metafórica. Quando faço isso me sinto leve e livre.

Compreendam os senhores e as cenouras, quando cito o velho Quintana: "É preferível, para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum."

Eu faço os meus maus versos, minhas más linhas, meu mau blog, minha má escrita, meu mau humor, minha má fé no mundo, minha má digestão.

Eu não sei escrever.

Mas sei viver!

26 abril, 2007

Nota real

é possível amar um ser humano?
é claro, especialmente se você não os conhece muito bem. eu gosto de olhar para eles através da minha janela, caminhando na rua.
Stirkoff, você é um covarde?
é claro, senhor.
qual é a sua definição de covarde?
um homem que pensaria duas vezes antes de lutar com um leão com as mãos nuas.
e qual é a sua definição de homem corajoso?
um homem que não sabe o que é um leão.
qualquer homem sabe o que é um leão.
qualquer homem pensa que sabe.
e qual é a sua definição de um tolo?
um homem que não se dá conta que o Tempo, a Estrutura e a Carne em sua maior parte se desgastam.
então quem é que é sábio?
não existe nenhum sábio, senhor.
então não pode haver nenhum tolo. se não existe noite não pode existir dia; se não existe branco não pode existir preto.
sinto muito, senhor. eu pensava que tudo era o que era, não dependendo de qualquer outra coisa.
você andou metendo o seu pau em vasos de flores demais. será que você não compreende que TUDO está certo, que nada pode andar errado?
eu compreendo, senhor, que o que acontece, acontece.
o que é que você diria se eu tivesse que mandar decapitá-lo?
eu não seria capaz de dizer coisa alguma, senhor.
eu quis dizer que se eu mandasse decapitar você eu permaneceria a Vontade e você se transformaria em Nada.
eu me transformaria em outra coisa.
à minha ESCOLHA.
de acordo com ambas as nossas escolhas, senhor.
relaxe! relaxe! espiche as pernas!
muito gentil da sua parte, senhor.
não, muito gentil de ambas as partes.
naturalmente, senhor.
você diz que frequentemente sente essa loucura. o que é que você faz quando ela se apodera de você?
escrevo poesia.
a poesia é loucura?
não-poesia é loucura.
o que é loucura?
loucura é feiúra.
o que é feio?
para cada homem, uma coisa diferente.
a feiúra é conveniente?
ela está aí.
ela é conveniente?
eu não sei, senhor.
você aspira ao conhecimento. o que é conhecimento?
conhecer o mínimo possível.
como é que pode ser isso?
eu não sei, senhor.
você pode construir uma ponte?
não, senhor.
estas coisas são produtos do conhecimento.
estas coisas são pontes e armas.
eu vou mandar decapitá-lo.
obrigado, senhor.
por quê?
o senhor é minha motivação quando tenho muito pouca.
eu sou a Justiça.
talvez.
eu sou o Vencedor. eu vou fazer que você seja torturado, eu vou fazer você gritar. eu farei você desejar a Morte.
naturalmente, senhor.
será que você não se dá cota que eu sou o seu senhor?
o senhor é o meu manipulador; mas não há nada que o senhor possa fazer a mim que não possa ser feito.
você pensa que fala inteligentemente, mas com os seus gritos você não dirá nada inteligente.
eu duvido, senhor.
por falar nisso, como é que você pode escutar Vaughn Williams e Darius Mihaud? nunca ouviu falar nos Beatles?
oh, senhor, todo mundo já ouviu falar dos Beatles.
você não gosta deles?
eu não desgosto deles.
você desgosta de algum cantor?
cantores não podem ser desgostados.
então, qualquer pessoa que tenta cantar?
Frank Sinatra.
por quê?
ele evoca uma sociedade doente para uma sociedade doente.
você lê algum jornal?
apenas um.
qual?
OPEN CITY.
GUARDA! LEVE ESTE HOMEM PARA AS CÂMARAS DE TORTURA IMEDIATAMENTE E DÊEM INÍCIO AOS PROCEDIMENTOS!
senhor, um último pedido.
sim.
posso levar meu vaso de flores comigo?
não, eu vou usar ele.
senhor?
quer dizer, eu vou confiscá-lo. agora, guarda, leve esse idiota daqui!
e, guarda, volte com, volte com...
sim, senhor?
uma meia dúzia de ovos crus e alguns quilos de alcatre moída...

saem o guarda e o prisioneiro. o rei inclina-se para a frente, sorri maliciosamente enquanto Vaughn Williams vai se insinuando pelo sistema de comunicação. lá fora, o mundo movimenta-se para a frente enquanto um cão infestado de pulgas mija num lindo limoeiro vibrando sob o sol.

Charles Bukowski in Notas de um Velho Safado

23 abril, 2007

Quando uma estrela nasceu

De bunda para a lua,
olhos de coruja,
nasceu a estrela outonal
(não atonal).
Regida pelo signo da arte
e da expressão.

Ela brilha porque ama,
porque sente,
porque sofre,
porque é gente,
porque é astro,
porque é tudo,
e uma coisa só.

Já tentaram apagá-la muitas vezes.
Até ela mesma já quis se apagar.
Mas ela é intensa.
Não deixa.
Mesmo que sofra,
mesmo que chore,
mesmo que sinta dores,
ela nunca se apaga.
Não se apaga porque vive.
Não se apaga porque é única,
original, um universo à parte,
e seu brilho é próprio.

Quem brilha sozinho só se apaga quando morre.

21 abril, 2007

Especial

Sexta-feira, aos 20 dias de abril do ano de 2007:
Gente bacana, gente especial.
Sorrisos e caretas.
Bebidas - alcóolicas ou não.
Comidinhas - com pimenta ou não.
Pimenta muito ardida.
Farinha.
O mais importante: toda a gente mais querida.

Agradeço a todos os presentes na comemoração do meu aniversário.

19 abril, 2007

Uma cultura para todos

No ano passado, o Theatro Municipal de São Paulo recebeu o Ballet de Moscou com 3 espetáculos diferentes: O Lago dos Cisnes, Dom Quixote e Romeu e Julieta. Quando soube que eles viriam para cá, fiquei eufórica. Definitivamente, eu não poderia perder uma das grandes cias. de dança clássica do mundo, algo tão tradicional, ainda mais vinda da Rússia, país riquíssimo culturalmente. Estabeleci uma corrida atrás de ingresso, falei com um, falei com outro, até que um amigo, também produtor, através de seus contatos, arrumou dois ingressos para assistirmos o Dom Quixote. Eu estava empolgadíssima.
Chegamos um pouco mais cedo e ficamos sentados na escadaria do Theatro, esperando a pessoa que viria com os ingressos. Desde ali de fora, fui observando o público: grandes carros importados paravam, e deles desciam grandes peruas, de laquê nos cabelos, super maquiladas, com seus digníssimos maridos de terno e gravata, ou black-tie, sapato lustroso, carregando a tira-colo os filhos adolescentes, vestidos como velhos. Ainda comentei com meu amigo: baile de gala? ou festa de casamento? E ríamos, ríamos tanto, com nossas calças jeans e nossos simplérrimos par de tênis. "O pior é que é esse o tipo de público que vem assistir o ballet clássico tradicional"- disse meu amigo com ar sério - "é muito parecido com o público que frequenta a Sala São Paulo". Até aí, tudo bem. Se as pessoas acham chique usar roupa de gala para ir ao teatro, tudo bem. Na minha visão, isso é algo ultrapassado, elitista e conservador e, dependendo da ocasião, pode beirar ao cafona. Foi-se o tempo em que esse tipo de manifestação artística era fechada para a aristocracia.
Ou não?

O espetáculo foi ruim, fraco, uma bailarina caiu no mesmo lugar 3 vezes, e o segundo ato foi quase uma hora de rodopios incessantes dos solistas da cia. Mas o pior nem foi isso. A cada peripécia no palco, uma arrancada de aplausos na platéia. Ou seja, a cada gesto, a cada respirada, alguém puxava um aplauso e o resto da platéia acompanhava. Até a bailarina que escorregou foi aplaudida. A impressão que tivemos é que essas pessoas ficam tanto tempo sem assistir a um espetáculo, que quando vêem um, mesmo que ruim, ficam histéricos. Estragaram toda e qualquer pausa dramática proposta. Fiquei profundamente irritada. Meu amigo também.
Saímos xingando do teatro, principalmente a platéia. De que adianta se vestir daquele jeito e ter um comportamento quase que de torcida de futebol? Nós e nossas modestas calças jeans, conseguimos absorver muito mais do espetáculo do que essa gente afobada e exagerada.
Na nossa conversa, falei sobre como me senti decepcionada, até porque criei muita expectativa em cima do Ballet de Moscou. Comentei sobre um espetáculo de dança-teatro, que havia assistido pouco tempo antes, "La Chambre D´Isabella", da Need Company (Bélgica), e sobre um outro da cia da Martha Grahamm, em 2005. Dois espetáculos mais maravilhosos que já vi nesses meus poucos 26 anos de idade.

Voltando ao assunto da aristocracia, pensando melhor, existe sim uma cultura para as elites. Nem eu que trabalho na área cultural, não tinha dinheiro para comprar um ingresso para o Ballet de Moscou (aliás, pouca gente que vive de arte nesse país ganha muita grana). E me recuso a pagar um preço exorbitante na Sala São Paulo. Me recuso, mesmo. Prefiro pagar 10,00 para ver a Sinfônica Municipal, ou a Orquestra Experimental de Repertório lá no Theatro Municipal. Até porque acho muito absurdo o John Neschling embolsar mais de cem mil reais por mês. Entendam que não estou falando sobre sua competência enquanto maestro, ele fez um trabalho muito importante com a OSESP. Mas, no país que a gente vive, um maestro receber um salário absurdo como esse, pago ainda pelo Estado, é demais. Simplesmente não dá.

Isso tudo me arremeteu a uma outra lembrança: na época em que eu trabalhava na Rádio Cultura, se falava muito em popularizar o Theatro Municipal. Se não me engano, estávamos na era Pitta na prefeitura (tenho cólicas só de lembrar). E eu ouvi, da boca do diretor do Theatro, que tinha um programa lá na rádio, as horripilantes palavras: "Quero proibir o público de entrar de calça jeans e tênis no Theatro. Imagine só, as pessoas sentando de calça jeans nas minhas cadeiras de veludo!!".

Ah, seres humanos, cada vez mais malditos, maldosos e contraditórios!!
Ah, quantos ainda que confundem Poder com Foder!

18 abril, 2007

Então resolva não arrancar os outdoors...

Arrancadas as placas publicitárias, o que começa a surgir para a cidade é algo fantástico.
Problemas esquecidos, renegados, rancores, mágoas, negações, preconceitos, todos ocultados, abafados, na forma como cada fachada fosse revelada esquecida, escondida que é como dá para se perceber, tocamos um pouco de nossas vidas individuais nesta coletividade chamada Brasil. Que o brasileiro em particular nunca foi chegado a encarar porcaria alguma é uma pequena constatação, questionável talvez, mas as fachadas escondidas podem significar a síntese de algo bem tacanho em nós, que fazemos questão de esconder mesmo presente em nossas caras todos os dias nos vagões e conduções, carros e aviões.
Esta mescla bem rústica de positividade, positivismo radical (que parece que nunca mesmo foi largada da bandeira), pregações religiosas invertidas, nacos de orientalismo conveniente, um pouco disso, um pedaço daquilo, no ex-país do futebol, e agora o futuro país da cana-de-açucar, parecem que sempre foram parte de nossas melhores e hoje, bem piores características do sincretismo que inventou estas terras cá.
Ou como dizia um ótimo colunista, faça como Manoel Carlos: se não der para resolver, meta um espírito na história. Essa coisa asquerosa de que não se deve olhar para o passado, como se o presente fosse uma forma cortada e totalmente desvinculada disso.
E quando não se dá para cobrir, se tenta chamar ou desviar a atenção do problema com uma placa maior, mais linda e colorida. Eu disse problema? Me desculpem, eu tenho que ser positivo, estamos falando das “questões”.
De qualquer forma ficamos com a “questão” que a Espanha teve que se deparar nos anos pós-franquismo: ficamos e discutimos a relação? Ou esquecemos, mesmo que momentaneamente, e partimos para o caminho reto do futuro que nos aguarda? Optaram pela segunda; mas agora volta por lá um revisionismo da era franquista que ficou inevitável.
Enfim, em algum momento vamos ter que encarar ... ou então resolva não arrancar os outdoors...

André Bianchi

Roteiro do Silêncio

Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.
Nas prisões e nos conventos
Nas igrejas e na noite
Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.

Os amantes no quarto.
Os ratos no muro.
A menina
Nos longos corredores do colégio.
Todos os cães perdidos
Pelos quais tenho sofrido
Quero que saibam:
O meu silêncio é maior
Que toda solidão
E que todo silêncio.

Hilda Hilst. 1959.

17 abril, 2007

O Mundo Maravilhoso de Mário Quintana

Em homenagem ao maravilhoso escritor e poeta Mário Quintana, ofereço aos raros leitores deste modesto blog, alguns fragmentos do livro "Na Volta da Esquina" (RBS/Ed. Globo, 1979).

a amiga

Ele chegou ao bar, pálido e trêmulo. Sentou-se.
- Por enquanto, nada - desculpou-se ao garçon. - Estou esperando uma amiga.
Dali a dois minutos, estava morto.
Quanto ao garçon que o atendeu, esse adorava repetir a história, mas sempre acrescentava ingenuamente:
- E até hoje, a "grande amiga" não chegou!


fim

E chegará um tempo em que os militares inventarão um projétil tão perfeito, mas tão perfeito mesmo, que dará volta ao mundo e os pegará por trás.


fatalidade

O que mais enfurece o vento são esses poetas inveterados que o fazem rimar com lamento.

placas

Ah, meu pobre Coronel Emerenciano, quem sois vós? Quem sois vós, Dona Maurília, Fernando Ivo? Altamirando Barbosa da Silva? Quem sois vós, com todos esses inúteis cartões de visita deixados teimosamente em cada esquina? Que vergonha, velhinhos... Essa coisa de a gente virar rua é uma forma pública de anonimato.

"a poesia é necessária"

Título de uma antiga seção do velho Braga na Manchete. Pois eu vou mais longe ainda do que ele. Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus, não tem importância. É preferível, para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética representaria, no caso, como que um esforço de auto-superação.
É fato consabido que esse refinamento do estilo acaba necessariamente o refinamento da alma.
Sim, todos devem fazer versos. Contanto que não venham mostrar-me.

poeminho do contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

imagem

Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?

um epitáfio para catulo da paixão cearense

Catulo não morreu: luarizou-se...

da preguiça

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.

destino atroz

Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando os escreve e, por último, quando declamam seus versos.

imaginação

A imaginação é a memória que enlouqueceu.

leitura

Essa mania de ler sobre autores fez com que, no último centenário de Shakespeare, se travasse entre uma professorinha do interior e este escriba o seguinte diálogo:
- Que devo ler para conhecer Shakespeare?
- Shakespeare.

sinônimos

Confesso que até hoje só conheci dois sinônimos perfeitos: "nunca" e "sempre".

e daí?

Falam muito no Sono Eterno. Sempre falaram, aliás... E daí?
Daí, só uma coisa me impressiona, e muito: a ameaça de uma Insônia Eterna.

precaução

As damas gordas não devem usar vestidos estampados, para não se repetir o que aconteceu certa vez, quando um senhor sentou no colo de uma delas, pensando que fosse uma poltrona.

sangue e areia

O mais revoltante nas touradas é que os touros não são aplaudidos quando saem vencedores.

o tempo

O tempo é um ponto de vista dos relógios.

epígrafe

As únicas coisas eternas são as nuvens...

a companheira

A lua parte com quem partiu e fica com quem ficou. E, pacientemente, aguarda os suicidas no fundo do poço.

ao pé da letra

Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta.

interpretações

Mas para que interpretarem um poema? Um poema já é uma interpretação.

incomodidade

O ruim dos filmes de Far West é que os tiroteios acordam a gente no melhor do sono.

a esfinge

Na volta da esquina encontrei a Esfinge. Petrifiquei-me. Ela me disse então, olhando-me nos olhos:
- Devora-me ou decifro-te!

biografia

Era um grande nome - ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.

08 abril, 2007

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?


Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.


(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)


Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente


Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,


Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.


Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.


Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos

20 março, 2007

Convite

Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério

A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.

Lya Luft

15 março, 2007

de passagem

Até certo tempo atrás eu tinha medo da morte, achava que morrer deveria ser uma sensação horrível. Depois de tanto apanhar na vida, eu perdi esse medo. O descanso eterno deve ser como uma libertação. Algo como aquele sono profundo que a gente tem depois de um dia exaustivo.
Sei lá porque é que estou dizendo isso. Talvez porque eu sinta que, quase sempre, morre um pedacinho de mim para um outro poder nascer. Uma célula, uma idéia, um pensamento.
A vida é morte-vida, mas a morte - ah, a morte! - é só morte mesmo.

Parente

Parente é serpente
Mente e desmente
Exaustivamente.

Seja paciente
Seja tolerante
Seja demente
Como todo bom parente.

Ou pelo menos tente
Não levar uma vida doente.

Coloque seus parentes
Entre parênteses.
E veja como tudo muda
De repente.

Ecologia Poética

Salve uma palavra antes que morra no senso comum

por Fabrício Carpinejar

Como pensar em ecologia sem incluir a preservação das palavras? E com a ecologia das palavras, quem se preocupa? E os lençóis subterrâneos da fala que são contaminados pelo sarcasmo, pelo cinismo e, sobretudo, pela indiferença, quem cuida de sua prevenção?
Corremos o risco de perder a natureza quando deixamos que a linguagem fale em nosso lugar e não mais falamos por ela. Quando somente transferimos a responsabilidade de dizer e de nomear pelo ato de repetir.
Não é o comportamento que condiciona as palavras. Mas as palavras formam o comportamento. As palavras são o comportamento. Somos palavras.
De que adianta separar o lixo seco do orgânico se não separamos a linguagem orgânica da seca em nossa rotina? E a coleta seletiva da língua, onde fica?
De que vale cuidar do desperdício de água se não cuidamos também do desperdício de linguagem?
Não será igualmente criminoso usar palavras desnecessárias, sem entusiasmo, sem força de vontade, sem alegria? Por descaso ou por descanso. Para ser compreendido e não pensar. Pela pressa, sendo que a pressa aumenta o esquecimento, inibe a lembrança.
Por dia, quantas palavras são reproduzidas desprovidas de sentido? Lançadas na terra como latas de alumínio, que demoram mais de um século para se decompor.
Um lugar-comum é tão poluente quanto pilhas e baterias do celular. Expressões que nada têm de pessoal, que não permitem a descoberta ou o deslumbramento, estancam a circulação do afeto. Cessam o gosto de falar. Interrompem o gosto de ouvir.
Quantos fósseis são abandonados no cotidiano do idioma, quantos verbetes esperam sua chance de tratamento no aterro sanitário do dicionário? Será que não viramos fantasmas se portamos uma língua morta?
Poderíamos latir, poderíamos miar, poderíamos uivar, tudo isso é ainda comunicação. Mas falar não é somente comunicar, é se comprometer com a direção do timbre.
Palavras são de vidro. Palavras são de metal. Palavras são de plástico. Palavras são de papel. Não se pode colocar todas com o mesmo peso, no mesmo destino. É preciso discerni-las. Uma criança me entenderia.
Tolerância, por exemplo, é de vidro. Reboa por dentro. Faz volume antes de acabar. Não pode ser jogada fora, pois levará milhões de anos antes de virar pó.
Respeito, por sua vez, é de metal. Inteiriça. Difícil de quebrar. Fala-se de uma única vez como uma lâmina.
Condescendência é de papel, o acento vai lá no fim, suscetível aos rasgos da tesoura e das mãos ansiosas. Soletre, veja, imagine. Deite a voz, não fique de pé.
Assim como reciclamos o lixo, as palavras dependem da renovação. Mudar a ordem, produzir significação, exercitar gentilezas, valorizar detalhes. Não deixá-las paradas, desacompanhadas, viúvas.
Talvez seja daí minha incompetência em me desfazer do arranjo de rosas que recebo no aniversário de casamento. Desligo as pétalas do miolo e espalho as rosas nos livros. Fazem sombras para as frases.
É poluente dizer ao filho “nem se parece comigo” para ameaçá-lo. Uma convenção a que a maioria recorre para se livrar do cuidado, sacrificando um momento de particularizar sua experiência paterna e materna. Por que não procurar afirmar “você se parece comigo mesmo quando não se parece”?
Ou há algo mais solitário e desolador que resmungar “eu avisei” para sua mulher quando ela erra? Mostra que já a estava condenando antes de qualquer resultado e atitude. Em vez de cobrar, por que não compreender? Transformar o lixo hospitalar (sim, corta-se um braço dela com essa sentença) em adubo de frutas com a simples concisão de “a gente resolve”.
São períodos postiços, artificiais, fingidos, que corrompem a respiração. Ao encontrar um colega antigo, logo nos despedimos: “Vamos nos ligar?” Isso significa o contrário, não vou telefonar nos próximos três anos.
Até que ponto não se empregam palavras para se esconder o que se quer, para disfarçar, para ocultar? Quantos sinônimos para não dizer absolutamente nada. Para se afastar do que realmente se desejava declarar. Foge-se da palavra certa pela palavra aproximada. Uma palavra vizinha não mora no mesmo lugar da verdade.
Palavra é sentimento. Mas – cuidado – as palavras não podem sentir sozinhas.
Palavra é poder. Ao esgotar seu significado, esgotamos nossa permanência.


** publicado na revista Vida Simples, edição de março de 2007.

05 março, 2007

Aqui

Não uso palavras bonitas, não faço brincadeiras com as palavras dos dicionários e seus significados, não devoro enciclopédias. Eu gosto de ler. Só isso. Tão simples... ler. Encontrar um mundo novo e ser sorvida por ele. Vários mundos. Todos desenhados pelas palavras.
Este foi o espaço que encontrei para “vomitar” coisas que sinto, gosto, percebo. Nem sempre organizo bem as idéias, minha cabeça trabalha a todo vapor, eu escrevo o aqui já pensando no lá, e assim esse trem vai seguindo pelos trilhos, sem lugar certo para chegar.
Não pense você, que chega agora, que encontrará aqui críticas rebuscadas sobre os filmes que vejo, os livros que leio e as peças que assisto. Não. Posso até fazer referência a eles, mas sempre na tentativa de trazer o olhar para o sentimento, a emoção, a dúvida que ronda a nossa existência. E os que são citados só o são porque conseguiram despertar alguma coisa em mim, ruim ou boa.
Então, fique sabendo que absolutamente tudo que escrevo aqui é para mim mesma. Mesmo assim, acho bacana poder compartilhar isso com outras pessoas.
Eu criei um botequim virtual onde, na grande maioria das vezes, me encontro sozinha, sentada numa mesa, brindando comigo mesma esse tufão de emoções.
Quer participar? Então puxe uma cadeira, peça sua bebida e sinta-se à vontade...

A arte de irritar pessoas ou a cartilha do pseudo-sucesso

Primeira regra básica: diga a todo mundo que você é a encarnação de alguém famoso, como Galileu, Da Vinci, Platão, Mário de Andrade, Leila Diniz, Napoleão Bonaparte, Marlon Brando, Jesus Cristo... A lista é grande, portanto, seja sábio em sua escolha.


Segunda: realize algum ato público em prol de alguma coisa, de preferência acompanhado por uma massa de gente que acredite piamente no seu ser encarnado, a turba convencida e ensandecida de que está fazendo algo em nome de alguém. Pode mostrar a bunda em praça pública, defecar no saguão de mármore da prefeitura, jogar ovos na careca do governador, entrar de bico na festa de casamento de algum famoso da revista Caras e ainda arrumar aquele barraco quando for expulso pelos seguranças (importante: não esqueça de citar o “quem sou eu” para chamar a atenção da imprensa).


Terceira: candidate-se ao próximo Big Brother. Você, que já encarnou alguém famoso, acha que não há problema nenhum em ficar famoso só mais um pouquinho e, quem sabe, ganhar de quebra o carro do ano, uma ponta no programa Zorra Total ou na novela das oito. Pois mesmo encarnado Marlene Dietrich ou Getúlio Vargas, você continua pobre. No caso de ter encarnado Jesus Cristo, uma ótima opção é procurar alguma igreja neopentecostal pentelha, que lhe entregará as chaves do baú do tesouro. E não se esqueça de abrir algum debate no programa da Luciana Jimenez.


Quarta: coma mortadela e arrote peru. A encarnação de Tutancámon deve, como todo bom faraó, adorar o luxo e a riqueza. Ninguém precisa saber que o seu Mercedes-benz de 150 mil dólares será pago em suaves prestações, pela eternidade. Leve esse segredo para o túmulo, de preferência.


Quinta: lance um livro auto-biográfico e deixe o Chico Xavier de escanteio. Para quê psicografia, quando você mesmo pode contar, em vida, a história de sua vida passada e da atual? Aproveite para se candidatar a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Uma vez em que até o Ivo Pitanguy já tem sua cadeira garantida, você que é a própria encarnação do Camões terá grande chance de ser eleito.


Sexta: arrume um casamento. Seja com uma ex-prostituta ou com um guarda municipal, o importante é que seja da “ralé”. Nada mais chique do que um famoso como você, a própria encarnação de Luís XV, casar-se com um subalterno, com alguém da plebe, para fazer jus à teoria do “os seres humanos são iguais”. Pague um milhão para o seu esposo/esposa arrumar um amante, e corra aos prantos para os jornais. Depois, xingue os jornalistas e fotógrafos e compre um horário no programa do Faustão, onde você perdoará publicamente o autor/autora da sua dor de corno. Repercussão máxima.

Obs.: Se depois de todas essas tentativas você não atingir o sucesso, vá fazer alguma coisa de útil na vida, seu idiota!

28 fevereiro, 2007

Estranho, louco, ou algo assim

É tudo muito estranho. Pelo menos, na maioria das vezes. Sinto que a liberdade só existe para quem, um dia, esteve preso.

Eu me sinto presa, por algemas invisíveis. São várias: prendem os pés, as mãos, a cabeça. Tateio no escuro para procurar as chaves. E pago um preço caro por querer soltá-las.

Essa conquista pela liberdade moral é perigosa: você se torna um ser incompreensível, você é louco, é insano, “não se adequa ao perfil”. Os porquês todos vêm de brinde no “kit padrão”, podem te transformar num estereotipo.

Se eu realmente sou louca, por que tenho que me justificar? Não tenho que ficar explicando “sou assim porque...”. É algo muito simples, como alguém me questionar por que eu prefiro cu de leão a pé de porco. Oras, eu não gosto de pé de porco e adoro cu de leão (obviamente eu nunca comi cu de leão, e nem vou comer. É, no mínimo, arriscado ou indigesto).

Mil explicações e questões pela vida afora.

Acho que se eu realmente me sentisse normal (o que é ser normal?), com certeza não jogaria estas palavras aos ventos. Bem, até posso ser normal fazendo isso, mas prefiro não classificar, porque a normalidade é subjetiva, relativa e realmente difícil de entender. Assim como a própria noção de realidade.

Essa coisa de mexer com o eu, o EGO, a individualidade, é séria, arriscada, dá medo nas gentes. E quando falo tudo isso é porque já estou cansada de ter que explicar tudo a todos, o tempo todo. Eu também me questiono, minha gente! Todos os dias.

Eu e meus vazios (as gavetas nem sempre estão cheias), meus ais, minhas cicatrizes.

O que não deve acontecer – e muito acontece – é buscar as respostas certas para as perguntas erradas.

“Se você me achou esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar” (Clarice Lispector).

24 janeiro, 2007

Filme real

Gosto de andar na rua observando as pessoas que passam, tentando ver para onde vão, quem são elas, o que pensam? Ouço as conversas em trechos, as histórias nunca são as mesmas, a que começa aqui não é a que termina lá...
A cidade se movimenta, os carros correm pelas ruas, os cachorros cheiram as quinas, a fumaça sobe, a cor do semáforo muda, as pessoas falam, se agitam, gritam, algumas choram, outras sorriem, outras falam sozinhas... As folhas dançam nas poucas árvores que consigo ver, e através delas avisto os outdoores, os letreiros, as faixas... as palavras estão aqui, ali, em cima, do lado, de vários ângulos, formas e cores... as palavras falam sozinhas no cinza, alguém terá de escutá-las.
Caminho e dentro de mim a música escoa, me toca, e os ângulos que vejo já estão em outra dimensão.
A vida como um filme real, onde o único diretor sou eu.

20 janeiro, 2007

O vento e a sombra

Às vezes me sinto como um cego que precisa apalpar o mundo para vê-lo.
Tento tocar as coisas por aí, até aquelas impossíveis de serem tocadas, aquelas que não são palpáveis...
Como se, com meus dedos invisíveis, tentasse pegar o vento que sopra em minha face quente.
Você veio como o vento, e apenas num sopro me pegou. Como posso alcançá-lo? se apenas passa por mim, e me toca, mas não me vê?
Sou apenas uma sombra. Preciso da luz para existir.
Há tanto sou a sombra que espera que o vento venha com toda sua força, e com tanta força me carregue para algum outro lugar desconhecido.
Me acaricia com seu sopro, ó vento, e com sua força carrega essa sombra que precisa de mais luz para crescer, para se expandir para algum lugar maior.
Assim nos aventuremos, eu e tu, sombra e vento, dançando pelas paisagens.
Mesmo que não nos vejam, e mesmo que nós não nos vejamos, carregamos conosco, onde for, o conforto de saber que ao menos nos percebemos. Nos sentimos.
Em toda sutileza, existimos.