30 março, 2009

costureira


que sejam sempre incompreensíveis minhas palavras, meus retalhos, ora bem costurados, ora bordados, ora adornados, cheios de adereço, pontos, tranças e fuxicos, essa colcha de palavras são mosaicos, não tentem compreendê-las sempre, apenas compreenda que há o caos, é meu novelo de vida, puxo um fio, dois, três, dou um ponto, em cruz, trançado, sonho no meio, um bordado, de repente tudo desfaço, refaço no tear dos dias, me repenso, desligo a máquina, abro buracos com agulhas, furo um dedo, choro, depois rio um rio de risos, pra vida ficar macia que nem algodão, tecer, tecido, ter sido, aqui sigo, costureira de minhas atitudes, pensamentos, fabulações, artesã de mim desfio minhas linhas, minhas curvas, há o novelo, é meu caos de vida, cosendo, correndo, páro de arfar porque tudo, afinal, ficará guardado dentro da caixinha.

realidade

Cinzenta, suja, poeirenta, barulhenta, o entorno urbano desta realidade às vezes me atormenta. Sobre as várias rodas pela via vou buscando outras formas, volumes e cores desta realidade, realidade minha, vista somente por estes grandes olhos que a podem perceber. Sigo pela via esperançada de que há em próximos quilômetros de estrada outro universo a ser explorado, outras gentes, outro ar. Busquei nas lonas o meu refúgio, encontrei pessoas que gostaria de ter encontrado noutras realidades que vivi, se me fosse possível criar diferente relação de tempo-espaço, anteriormente, já deveria estar ali. De fato, o tanto que vi, quanta gente interessante conheci, é outra realidade ainda que minha sempre, onde eu vá e para onde a carregue.
São meus olhos, cores, volumes, formas, o mel de meus olhos. Mil corações num único. Alma leve. E o lamento de tudo parecer sempre tão breve.

27 março, 2009

Dia Nacional do Circo



Minha cidade amanheceu risonha
Chegou o circo, está a anunciar,
Grita o palhaço da perna de pau,
Minha gente acorda para ouvir cantar.
E eu, menino, moleque de rua,
Vou bem na frente prá chamar atenção,
Talvez me vendo assim animado,
Me dê entrada o dono da função.

Oh! Raia o sol, suspende a lua,
Olha o palhaço no meio da rua.

Quanta alegria. Foi armado o circo!
Está em festa o largo da matriz.
Em volta dele corre a meninada,
E eu brincando junto também sou feliz.
"Zé Fogueteiro" hoje vai ao circo
"Todo exibido", veio me contar.
Prá queimar fogos, já ganhou bilhete,
No camarote diz que vai sentar.

Oh! Raia o sol, suspende a lua,
Olha o palhaço que está na rua.

Para juntar dinheiro eu vou depressa,
Vender cocadas que a doceira fez;
Vou lavar vidros, vou vender garrafa,
Ou engraxar sapatos prá qualquer freguês.
E se de noite, prá meu desengano,
Eu não puder sentar na arquibancada,
Eu, de "gaiato" vou "forçando" entrada,
Bem escondido por baixo do pano.

Oh! Raia o sol, suspende a lua,
Olha o palhaço no meio da rua.

25 março, 2009

A gente se vê


A gente se viu ao pé duma escadaria, no meio do sobe e desce, loucura de fim de tarde de sexta-feira. A gente se viu na porta do cinema, no bar, na bilheteria, a gente se viu vendo filme sem ver o momento de chegar o fim. A gente se viu com frio na barriga, na garoa, descendo a rua. A gente se viu num beijo, é como se víssemos o que queríamos ver ali. E a gente se viu várias vezes, era vontade de se ver o tempo todo todo o tempo, a gente se viu de alma leve e límpida, a gente viu que era possível. Mas aí a gente se viu sem querer ver, a gente viu que possível era impossível também. "A gente se vê", hoje, a gente diz.

18 março, 2009

exercício segundo

Para Lili

Ela recebe flores e velas. Todos choram. Olhos se transformam em ilhas, rostos de crepúsculo, espinhos atravessando no peito. Ela brilha como estrela. E recebe flores e velas. Enquanto isso, no jardim, os deuses a convidam para dançar.

17 março, 2009

exercício primeiro

Acordar de manhã e não precisar abrir o armário, num pulo da cama pra dentro de uma calça, blusa ou vestido, sem precisar escolhê-lo no dia anterior e em nenhum outro momento qualquer. Fazer tranças no cabelo curtíssimo e lançá-las pela janela. Ao lance de um pensamento elas se alongam até o chão. Lá debaixo não há princípe, nem sapo, talvez um doido, um palhaço. Quando ele subir pelas minhas tranças eu já não terei cabelos, apenas asas. E o deixo ali mesmo, a me olhar voando mundo afora, feito libélula afoita por uma pétala de flor.

minha voz


Tenho uma voz que soa no mundo, que ecoa pelo mundo. Com meu peso, meu equilíbrio, meu movimento, é minha voz que por aí caminha, a passos lentos. A voz que fala pelo texto, é a voz que cala a palavra, voz que soa pelo vento. Minha voz, meu movimento. Mensagem de dor, de sofrimento. Aconchego, amor e sonho. Ritmo e talento. Minha voz é meu corpo. Minha voz, meu tempo. Sentimento.

04 março, 2009