20 janeiro, 2009

desconcertada

Teria que pegar tudo aquilo e jogar dentro da mochila. Fazia uma semana que tinham se separado, e reunir os objetos dele não estava sendo fácil. A cada livro dele que mexia, uma lágrima caía. Sentia uma dor profunda no peito, um vazio, vontade de morrer e nascer de novo num mesmo instante.
Tinha que jogar tudo na mochila e assim o fez. Saiu desconcertada pela rua, como se caminhasse por um buraco negro, por uma paisagem sem paisagem. As ruas não tinham nada, nem edifícios, nem carros, nem fumaça, nem semáforos, nem pessoas, só ela e as imagens desse amor que passavam como um filme.
Pegou o ônibus, desconcertada, e lá dentro bateu a dúvida de ter pego a condução errada, sem atenção, de parar em algum outro lugar que não o que haviam combinado. Não queria se atrasar para aquele que seria, talvez, um último encontro de se desencontrarem definitivamente.
Chegou antes do horário, pegou uma cerveja no bar. Suas mãos tremiam que nem vara verde. Antes de acabar a cerveja ele chegou, de ar tranquilo, mas ela não conseguiu sorrir.
Em momento nenhum ela conseguiu sorrir.
Nem ao ouvir que ele ainda a amava, apesar de tudo.
Deram um último abraço.
Ele se foi.
Ela voltou pra casa, com o andar trôpego, meio bêbado de dor, desconcertada. Pensava naquele caminho, naquela linha de ônibus que pegou tantas vezes pra voltar da casa dele, pensava nele, pensava neles, no que viveram e no que um dia, juntos, sonharam viver.
Desconcertada, não dormiu aquela noite. Fumou um maço de cigarros, olhando fotos e bilhetes dele, meu deus, como se amaram até a última gota e se queriam bem.
Chorou por muitos dias seguidos, sempre rezando no fundo de sua alma para que aquela dor passar, para aquela culpa passar, para se sentir mulher de novo, ter sua paz de espírito de volta. Para poder sentir saudades sem chorar, sentir saudades com um sorriso maroto de olhar pra trás e se orgulhar do que passaram juntos.
E como há dores que só o tempo cura, ela hoje vive seus dias, um após o outro, sem sonhos, sem desejos.
Segue a vida ainda desconcertada, e com o coração partido ao meio.

09 janeiro, 2009

volátil

Seria bom se, no auge de meu desespero, Deus me desse a oportunidade de evaporar.

Amar

é mergulhar de cabeça
sem saber nada
sem saber de nada
ao seu encalço
numa piscina
como um camicase
pulando do último
do mais alto trampolim
de mim
sem asa delta
salva-vidas, pára-quedas
sem perguntar
sem sequer pensar
se lá embaixo
vou encontrar água
ou o ladrilho do vazio

Armando Freitas Filho