22 outubro, 2011

lado 3

Eu que sofro da dor da solidão, tentei encontrar algo em mim que completasse o que achei que faltava, fiquei sentindo uma ausência fria de algo que nem presença teve. Fiquei assim, me olhando no espelho tentando procurar a profundidade do buraco, nem eu sei mais do meu buraco, do poço, nem nunca soube. Eu que sofro da dor da solidão não te encontrei na rua porque você já havia me encontrado, e tentei de jogar pra dentro do buraco, meus ocos todos gritando para que você viesse preenchê-lo. Não era nada disso, nem você me encontrou nem eu te encontrei, nem oco não carrego aqui, nem vazio, eu que pensei que tinha um vazio, eu que pensei, eu só fico pensando, e de tanto pensar nem me dei conta do que acontece, eu te criei e criei o meu buraco, eu criei tudo isso, eu criei o grito, eu criei a dor. E agora a sinto como se ela fosse verdade. Como se você fosse de verdade.

lado 2

Entrei na brincadeira, e dela não quis mais sair. E você entrou e saiu da jogada, me deixando com as cartas na mão, nem blefou ao menos, nem me consentiu a ideia vaga de quem ganharia o jogo. Mas não era um jogo de perdas e ganhos, era jogo de jogo, de brincar, e eu levei a sério a brincadeira, tão a sério que acabei perdendo o jogo, que era só um jogo, sem perdas ou ganhos, sem sorte ou azar. Era só jogar, só isso. E ponto.

lado 1

E seria tudo tão simples se eu não tivesse a capacidade de complicar, esta capacidade de achar um outro lado das coisas quando na verdade as coisas tem um lado só. E seria tudo tão mais fácil se eu tivesse a capacidade de não me limitar na projeção, não vivendo o hoje e o agora, deixando o acaso entrar, vivo iludida, achando que você viria me procurar, que viesse me dizer enfim aquilo que eu gostaria que me dissesse. Mas eu querer o que me digas não é o que vais me dizer, se é que afinal vais me dizer alguma coisa. Estou achando que não. Não vais me dizer nada porque não há nada a se dizer, e eu fico aqui, martelando neste outro lado da coisa que tem um lado só. Fico cavando buracos numa face inexistente, a face etérea do que eu criei pra mim. É isso. Eu criei o etéreo, tentei dar cor ao indizível. Eu criei um coração pra mim achando que ele era real, nem meu coração existe, porque se existisse, eu o saberia. E você não virá me dizer nada, porque tudo é tão simples, tudo que eu compliquei era demasiado simples, tão simples ao ponto de ser impossível.

17 outubro, 2011

temporária

como pedra preciosa
lapidada
brilhas para mim
refletido em sol de tarde
e enluarizo-me
rendida a um detalhe,
único e sucinto,
em cor carmim:
tua face ruborizada
- horizonte e vale -
que se perde quem procura
por seu fim.

Anoiteço-me depressa
pois me teço
com fios de linha fina
em tom lilás
e na luz destes teus olhos
me reconheço
até que amanheço
se teu sorriso
não se desfaz.