Se todo mundo pensasse seriamente no absurdo que é tudo isso de ser feito de carne, mas também olhar as estrelas, de ter um rosto, mas também ter aquele buraco fétido, se todo mundo tivesse o hábito de pensar, haveria mais piedade, mais solidariedade, mais compaixão e amor. Hilda Hilst
22 outubro, 2011
lado 1
E seria tudo tão simples se eu não tivesse a capacidade de complicar, esta capacidade de achar um outro lado das coisas quando na verdade as coisas tem um lado só. E seria tudo tão mais fácil se eu tivesse a capacidade de não me limitar na projeção, não vivendo o hoje e o agora, deixando o acaso entrar, vivo iludida, achando que você viria me procurar, que viesse me dizer enfim aquilo que eu gostaria que me dissesse. Mas eu querer o que me digas não é o que vais me dizer, se é que afinal vais me dizer alguma coisa. Estou achando que não. Não vais me dizer nada porque não há nada a se dizer, e eu fico aqui, martelando neste outro lado da coisa que tem um lado só. Fico cavando buracos numa face inexistente, a face etérea do que eu criei pra mim. É isso. Eu criei o etéreo, tentei dar cor ao indizível. Eu criei um coração pra mim achando que ele era real, nem meu coração existe, porque se existisse, eu o saberia. E você não virá me dizer nada, porque tudo é tão simples, tudo que eu compliquei era demasiado simples, tão simples ao ponto de ser impossível.
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