29 maio, 2009

l’inspiration de l’artiste



a arte traduz

minha existência

antes que me esqueça

de lembrar

quem sou.

travesseiro

é um grande amigo
que ouve meu choro
(baixinho)
e me abraça
(quentinho)
pra me consolar.

dunas

meu coração é beira de mar
bordejado por dunas
de medos, de amores
esses montes de areia
que a vida, feito vento
carrega pra algum lugar.

pássaros

há pessoas que são como pássaros
pousam em minha mão
e voam, num piscar de olhos

simplesmente, se vão.

28 maio, 2009

eis a questão

quantos adjetivos acompanham
determinantes
os verbos da existência?

o poeta

E era assim que ele seguia em suas primitivas interpretações, senhor de tantas fabulações sobre o mundo, sempre tão incompreendido, porém nunca ingênuo, não era louco, apenas gostava de alegorias, expunha fatos através de símbolos criados com tanta maestria, divididos entre a realidade e o enigma, a dúvida e a certeza. Sentava-se à beira de calçadas para contar suas histórias, incríveis, fantásticas, a quem gostava de ouvir, perambulava por aí, vaticinando seu próprio futuro, "morrerei ao final de outro dia!", arrancando gargalhadas pelo óbvio... porém o óbvio não aconteceu, os séculos se foram e este senhor não morreu, ficou doente, foi preso, torturado, mas sobreviveu, e hoje vive a andar pelas ruas das cidades, a contar as histórias das gerações, uns acreditam, outros nem escutam, já tentaram interná-lo, perturbá-lo com falsas verdades, mas nada atinge de fato este imortal poeta, que tem o nome de Liberdade.

22 maio, 2009

brinde

No fundo
toca a música
do mundo,
tilintar de copos,
gente a gargalhar.

Eu, aqui, pensando
com meus pontos
brindo com poesia
na mesa do bar.

tela

Minhas pálpebras
abrem e fecham
feito leque
se vejo a vida
pintada numa tela
registro de alma em cor,
vibrante e bela,
que deixa minha vista enternecida.

E quando, ao penetrar
por tal janela,
meus olhos procurarão
razão que eu sinta,
mas descubro que o sentir
não se interpela
e uma lágrima escorre
e me mancha
feito tinta.



Para Hugo Perucci, alma que colore o mundo.

20 maio, 2009

distância

esta extensão que separa corpos
que separa afetos
que separa passos
não diminui a grandeza de nossos laços
te encontro nas músicas,
nos livros, nos retratos,
pensando no que contigo vivi
lembranças das nossas pequenas alegrias
que não me deixam perder-me de ti
mas o que há é apenas distância física
outros abrigos
amigos que vão e vem
amores vãos
mantemos dadas nossas mãos
e, representando graficamente o que me dói,
unindo pra sempre nossas verdades,
rascunho este penoso sentimento
traduzido na palavra SAUDADE.




Para Bruno, meu irmão.

nublada

dias cinzas sempre me dão melancolia
o sol se pôs como todo dia
e não vejo tanto sua luz
um raio atravessa a janela
o vento corta minha espinha
minha pupila não dilata
feixes derretem meus brios
sinto frio e fome em meus vazios...

lá fora está tudo azul
céu azul de meio de dia
e, no chão, só meu vulto sorri

algo nublou dentro de mim.

via

Qual percurso segue esta pobre alma, inflada em suas presunções, que carrega a crença malfundada de si mesma, atropelando seres com o peso de sua arrogância descendo a ladeira feito trator sem freio, pobre alma esta, pobreza que se faz em falta de humildade, em falta de olhar para si e ver que seu sangue misturado ao de outros possui a mesma cor, a cadeira em que hoje se senta não lhe faz digna nem soberana, vá em frente, pobre alma, engate a quinta marcha da bazófia na corrida desta competição sempre desnecessária... a rodovia da experiência é via de mão dupla, numa arriscada ultrapassagem fará com que se choque de frente com o poste da realidade e, só assim, verás que se desintegras facilmente em milhares de partículas, sem privilégio de levantar vôo, pois és feita desta mesma matéria de onde surge uma espécie inteira, nem menos, nem mais, somente ser humana e, portanto, que sejas humana com os demais.

15 maio, 2009

o universo em mim

Na movimentação do tórax, não é apenas o ar que me invade, preencho uma existência harmonicamente disposta, me ocupo de muitas realidades, gêneros humanos e instintos animais, rumino galáxias inteiras dentro de meu corpo que iluminam meu espírito, dilato meus talentos, estabeleço conexões entre o céu e a terra, entre olhos e coração, entre eu e outro, e transbordo o todo em pedaços, de meu centro às extremidades... carrego um universo em mim.

13 maio, 2009

depoimento pessoal

Difícil conciliar a minha alma feminina, quando esta ultrapassa todo esteriotipo criado para tal gênero em tempos pós-modernos, século 21 e homens afoitos por capas de revistas, assim caminho, sandália rasteira e pé no chão, que não suporta o bico fino salto Luís XV torturante matando aos poucos, sigo em frente, olhando para o céu sem sombra nem rímel, só quando tem lua e quando lua cheia de amante com perfume delicado, batom esporádico marcando estes lábios juvenis que tem sede de vida e fome de expressão, ando um pouco, capaz de chorar com o colorido das flores de jardim e de rir histericamente com cerveja e torresmo à pururuca no botequim, dou um passo, e vivo a poesia, a sutileza e a escatologia numa mesma cadência, me jogo, um longo pulo na arte e um chute no saco da caixinha de tantas polegadas hipnotizadoras de seres e sonhos, me levo, carrego marcas da maternidade nas linhas finas e longas curvas do meu corpo, este corpo feminino pequeno mas nunca miúdo que sofre e sente e se comunica e pensa e sobe nas alturas, me movimento, de um lado a outro procurando sanar as dores e rimá-las com meus amores, todos e tantos, tantos e todos que tudo a mim significa, verbo reflexivo de ser, de ser eu, somente soul, assim, afinada na música do mundo canto a mim, e canto por todos, e por tudo, até o fim.

11 maio, 2009

tempo


Um longo lapso, marcado no mesmo compasso, desfaz-se no curso dos anos, determinado ainda que não exato. Resiste próprio de certos atos e, implacável, muda sua substância, dilata e tem um prazo, transtorna sua atmosfera, é um fenômeno e um passo, contado, medido, até entrar em colapso. No giro imaginário do Sol, permanece gasto, incontrolável e oportuno, metáfora prematura da ação dos verbos que, distraído de suas ocupações, trabalha em vão... e existe, apenas existe, veloz porém sem pressa, numa dada ocasião.

visita

Um dia acordou de repente com uma visita inesperada tocando a campanhia. Se arrependeu de tê-la deixado entrar. Sem saber o que fazer, ficou dias a fio tentando escondê-la dentro da gaveta, não queria olhar para ela, trancou com cadeado e fez questão de jogar a chave no lixo. Ela incomodava, falava alto, perturbava o sono. Mas não teve jeito. A dor estava ali, se encontrando com ela face a face para onde ia, olhando profundamente em seus olhos grandes e deixando bem claro que ela não poderia fugir. Não tinha jeito. Ela teve que encarar sua dor, teve que olhar para ela, teve que gritar com ela, tentou expulsá-la, expurgá-la, exorcizá-la, mas parecia que fazer isso se tornava pior, porque tudo aumentava de tamanho a cada tentativa.
Até que ficaram frente à frente, como num duelo. Ao invés de tentar matá-la, abraçou sua dor, beijou-a, e convidou-a para um café, conversaram a tarde toda, se entenderam e ficaram amigas... E não era tarde quando a dor se despediu, abriu a porta, e foi embora, feliz, sem saber, exatamente, quando estaria de volta.

08 maio, 2009

espetacularizada

Em meio ao cansaço, esparramada entre almofadas de linho e colchas de cetim, ela se rende à sua total infelicidade. Carrega na cara bolsa todo maquinário rebordoso para manter seu requinte, entre a maquiagem e o peeling, a plástica e o verniz luxuoso reluzente de sua fala, ela dá falta de si mesma, procura incessantemente algo que lhe valha destaque, brilho e glamour, ela se espetaculariza a fim de que seja vista e ouvida por muitos, ainda que isso, no fundo, nada tenha de real valor. Ela pensa e crê fielmente, que na sua verdade aparente, conseguirá profundamente encontrar amor... mas por dentro ela chora pesado, carrega no peito tamanho fardo de não saber escolher o sapato ou a dor, ela se rende e abre o armário, ela solta um urro desesperado, põe fogo em tudo ao seu lado, se deixa levar no arder da chama, acreditando que assim, talvez, apareça alguém que reclama, alguém que por sua vida clama, alguém que realmente lhe ama... e tudo queima e corrói, o que sobra é só resto de tristeza e cinzas, e o silêncio mortal e profundo que, ao final, ninguém quebrou... Ela também não se amou.

04 maio, 2009

banquete

Cheia de voluptuosidade, avançando sobre os mais belos e pobres mortais e devorando-os com tal sagacidade, ela se encontra neste banquete com sua própria nudez. Despe-se de carne e de espírito, dissoluta e libertina, entre línguas, pernas e abdômens, mãos tateando numa busca voraz, ela, deusa encantadora de almas e homens, entrega-se com tal devoção ao banquete que, entre o devorar e ser devorada, torna tal ritual como uma reza, um mantra, e dá seu grito de redenção, deixando-os lívidos porém ávidos e sedentos, abatidos pelo cansaço do mais farto entendimento destes mistérios gozozos e divinos, constantes e corajosos, e essencialmente primordiais.