24 novembro, 2008

enfeites

Ah, e como sinto falta! As cartas todas escritas à mão. Tenho guardadas até hoje as cartas que minhas amigas trocavam comigo. Isso com nove, dez, até uns treze anos. Escrevia cartas quase todo dia pra elas. Aquelas vizinhas, eu corria e colocava por baixo da porta do apartamento. Não precisava tocar a campainha e dizer "você é minha amiga, como gosto de você!". Eu fazia isso através das cartas. E eram muitas. Todas escritas à mão. As da escola eu guardava pra levar no dia seguinte, era só dar bobeira, eu colocava dentro da mochila. Era legal. Gostoso abrir a mochila e ver um envelope com meu nome. Elas também faziam isso. Eu fazia desenhos também. Nas cartas. Pra enfeitar, sabe?

Tive uma infância enfeitada.

Eu quis escrever um livro. Mais de uma vez. Minha mãe me ensinou a usar a máquina de escrever. Eu devia ter uns oito anos. Achei legal essa coisa de máquina de escrever, sentia importância no que eu escrevia. Na verdade, isso também era só um enfeite. Máquina nenhuma mudaria a força das palavras. E nunca vão mudar. A força da palavra se encontra nela mesma.

Tive uma infância enfeitada.

Compunha umas músicas com meu irmão e depois ficava inventando coreografias para elas. Porque só cantar a música não bastava - eu tinha que dançá-las. E mais que dançar, eu e meu irmão gravavámos tudo num aparelho portátil de fita cassete. Horas e horas de fita cassete, com músicas e programas de rádio que nós inventávamos. A gravação era só um enfeite.

Tive uma infância enfeitada.

Os enfeites todos se foram, com o tempo. A criatividade exercitada a cada minuto sumiu. Abro pastas e gavetas e encontro entre poeira e papéis amarelados, as mais enfeitadas lembranças.

Essas lembranças me enfeitam a vida, com cores e sons, sempre que penso nelas.

28 outubro, 2008

correspondência

"Querida,
sei que nesse momento precisa, por isso escrevo essa carta. Não sinta medo, nem culpa, nem raiva. Sei que adoeces de culpas que não deveria ter. Devo lhe dizer que já te vi adoecer inúmeras vezes simplesmente por ser ingênua. Não boba, ingênua. Já te vi sentir a fome dos outros com tua barriga. Minha querida, não faça mais isso com você. O excesso de altruísmo lhe faz mal. Por que se desacreditou? Vi você se largar e se desprezar por medo. Que buraco foi esse onde se enfiou? Para onde isso te levou? Repito, não sinta culpa. Se conhecer às vezes é difícil e doloroso. Quando você se ouviu pela última vez? Sei que faz tempo. Mas também sei que há aí dentro uma voz que ecoa com força o tempo todo. Essa voz implora por ser ouvida. Você só tem dois braços que não são suficientes para um mundo deste tamanho. Mas os seus ouvidos são suficientes para você. É simples. Não estou lhe impondo verdades. Apenas te sugiro um caminho. Você pode escolher. E pode não escolher. Apesar que não escolher também é uma escolha. A voz está gritando. Vai se fazer de surda? Boa sorte, minha querida. Você é mesmo muito querida."


Postou a carta na agência de correios. O destino? Seu antigo endereço. Pegou um táxi rumo ao aeroporto. O destino? Algum lugar.

a menina que queria comer nuvens

Eu gosto de brincar sozinha no meu quarto. Às vezes a dinda entra aqui, pergunta se vou almoçar. Eu não sinto muita fome. Eu nunca sinto fome. Eu cozinho pras minhas bonecas e elas sim, gostam de comer. Eu não gosto de comer, sabe. Não assim, de verdade verdadeira. Comida de mentirinha é mais gostosa. Comida de brincadeira. Minha mãe fica preocupada, ralha comigo toda hora. Mas, ah, eu não ligo pra isso. Eu não ralho com as minhas bonecas quando elas não querem comer a minha comidinha. Minha mãe não entende. Eu só quero comer nuvens. Elas são tão branquinhas e fofinhas! Cada hora é uma coisa. Nuvem de coelhinho. Nuvem de bolinho. Aí sim eu sinto fome. Eu vou lá pro quintal. Minha mãe ralha porque eu me sujo toda deitada na grama. Mas eu não ligo. Eu gosto do cheirinho da grama. E dos tatus-bola do jardim. Eu fico com fome das minhas nuvenzinhas lá do céu. O céu azulzinho, azulzinho, que nem o mar. Se bem que eu nunca vi o mar, assim, não de verdade. Só vi na fotografia. Mas eu não ligo. Eu tenho esse mar maior em cima de mim, e as minhas nuvens. É só delas que eu gosto. Minha mãe chora toda vez que eu digo que vou subir lá no céu pra comer as nuvens. Sei lá por quê. Ela fala que eu tenho que comer. Mas eu não sinto muita fome, ela sabe. Eu nunca sinto fome. Eu não gosto quando a mamãe chora, eu fico triste. Eu falo pra ela não chorar, porque o céu é bonito que nem o mar. Eu sei que a mamãe se preocupa comigo, mais ainda depois que eu não pude mais ir pra escola. Mas eu não ligo de não ir mais pra escola. Eu gosto do meu quarto. Eu gosto de deitar na grama do quintal. Eu gosto de todos os tatus-bola. Às vezes vem umas borboletas me visitar! Eu também gosto muito delas. Eu falo pra mamãe não chorar, eu falo pra ela vir deitar comigo pra ver o mar-céu. Eu queria que a mamãe também tivesse fome de comer nuvens, acho que aí ela ia ficar feliz. É sim, porque eu sempre fico feliz quando tenho vontade de comer as nuvens. Ah, mas ela só fica preocupada. E fica triste. Não sei por que mamãe anda tão triste. A gente não pode ficar triste assim, né, se a gente tem tatu-bola, e tem borboletas nos visitando! A gente tem as nuvenzinhas. Eu falo pra ela mas não adianta. Eu gosto do meu quarto. Eu peço pra mamãe abrir a janela. Eu não posso mais deitar na grama, mas eu não ligo. Eu posso ver o mar-céu da minha janela. As minhas nuvens! Elas estão me esperando. Eu vi lá fora as borboletas nos visitando. Eu gosto muito delas. Eu estou com fome de comer as nuvenzinhas. Acho que eu vou até elas. A mamãe tá chorando. Mas eu tou feliz, pois agora vou sentir o gosto delas.

27 outubro, 2008

sem título 2

não preciso de paredes
para te encontrar.
nem templos fechados
nem casas, nem prédios
arquitetura e belos vitrais.

te encontro em mim
olhando o luar.
te encontro nos olhos
daquele que me faz amar.

posso ver-te sem te olhar.
posso sentí-lo sem te tocar.


paisagem revelada.
deus.
além da minha matéria
de ser eu, e de ser nada.

monstro

o monstro tem olhos largos.
olhos mais sombrios
que a névoa sobre o pântano
em noite de eclipse lunar.
são olhos frios e gordos
que se projetam sobre luzes de felicidade
emanadas nas auras dos bem amados.

não há amor nesses olhos.
nem pupilas dilatadas pelo amanhecer.
olhos duros e vazios,
sem profundidade,
sem sonho e sem querência.
olhos que desejam mal e morte
e dor e sofrimento.

encontrei-me com mil monstros
muitas vezes, sem saber.

a desilusão com a raça humana passa
como filme de terror.

21 outubro, 2008

olhos para leminski

sem título

Definitivamente te encontrei.
Olhava estrelas e pastos,
sonhava em decifrar sonhos
e os mistérios de outrem.

Te encontrei.
Não tens forma e não te vejo.
É como o vento, como um sopro,
como o ar.
Movimento.
Energia e sinergia
sinestesia
e tudo isso que me anestesia.

Te encontrei.
Deus.
Te decifrei.

Não contem com isso

a.ban.do.no
sm (de abandonar) 1 Ação ou efeito de abandonar. 2 Desamparo, desprezo. 3 Desistência, renúncia. 4 Imobilidade, indolência, moleza. Antôn (acepções 1 e 2): amparo, proteção. A. de emprego, Dir trab: descumprimento continuado e definitivo, por parte do empregado, da obrigação de prestar serviço; fato de deixar a relação de emprego sem qualquer comunicação ao empregador. A. de serviço, Dir trab: descumprimento da obrigação de trabalhar. Pode configurar-se tanto na ausência continuada ao serviço como na acintosa inexecução de trabalho a que esteja obrigado o empregado. A. do lar, Dir: afastamento voluntário de um dos cônjuges, por dois anos, um dos motivos de desquite. Ao abandono: sem amparo, sem cuidados.



ABANDONAR-ME? NUNCA.
PREFIRO MORRER LUTANDO COMIGO MESMA!

09 outubro, 2008

S o b r a

O tempo passa, os ponteiros giram,
e eu nada deixo por aqui?
Envelhecendo nesse mundo louco e ficando louca.
Não deixando nada por aqui.
Não tenho nenhuma obra pra deixar.
Não componho
não escrevo
não pinto nem desenho.
Atuo e danço,
mas nisso meu corpo tem que estar vivo,
é efêmero,
passa logo, dali a pouco ninguém mais vai lembrar.
Nao caibo numa prateleira
nem posso me pendurar numa parede.
Não giro dentro do aparelho de som.
Eu nada deixo por aqui.
Não tenho nenhuma obra pra deixar no mundo.
Talvez não tenha sido criativa o suficiente.
Ou ousada o suficiente.
Não sei.
Cada dia sei que sei menos do que achava que sabia.
O mundo sujo tem me aborrecido, quando não emburrecido.
Tou cansada.
O que deixarei para os meus filhos?
Meu DNA e algum valor que não sei se tem valor.
Nem mais valia.
Posso olhar pra Deus? E ser cega?
Enxergar e não ver?
Não posso ter asas, ao invés de braços?
Onde vaga a liberdade que disseram que eu teria?
Por que meus sonhos moram longe,
e eu não sei que condução pegar?
Tou cansada.
Não tenho nenhuma obra pra deixar.
De mim, não sei nem se há algo pra sobrar.

04 setembro, 2008

sentido

encontrar seus olhos pelas manhãs todas
ensolaradas e nubladas, todas
ouvir o canto dos pássaros
voando em bando
e a dança das folhas nas árvores

o vento suspira

as folhas e secas flores criam um manto colorido no telhado
o cheiro da terra molhada invade a casa,
depois que chove

as crianças correm pela grama verde
brincam na lama
comem as frutas dos pés

e nossos pés
sempre descalços
entrelaçados ao luar
não tocam o chão quando nos amamos

não cansamos das mesmas canções

todos os sentidos
são sentidos
quando estou contigo, meu amor.

03 setembro, 2008

última notícia quente

"Serra confirma plano de nova estrada entre Rio e SP "

Que ótimo!
Assim a droga chega mais rápido!!

Quem precisa de metrô, não é mesmo?

Vamos construir mais estradas para que mais carros andem nelas! É isso aí!

E viva a indústria automobilística!

Os traficantes agradecem a colaboração.

Obrigada e volte sempre!

28 agosto, 2008

Fome

sinto fome
das coisas grandes
e pequenas
fome de abraço
dos braços que longe estão
fome de olhar nos olhos
de apertar a mão
fome da presença dos amigos
que é saudade
fome da vida plena
que é felicidade
fome de beijo demorado
fome de ter ao lado
o tempo todo, meu amado
fome dos sorrisos que não se fecham
fome de lágrimas que não escorrem
fome de sonhos ainda não sonhados
fome das flores que não morrem
fome das inquietações que me movem
sinto fome
fome também é sentimento
e assim, faminta sigo,
até que a fome se esgote
ao final de meu próprio tempo.

19 agosto, 2008

Filhos

Filhos são criaturas danadas.
Vou dizer: dão um trabalho do cacete. A gente nunca mais dorme direito. Pelo menos até a figurinha atingir determinada idade, não. Bem, sei lá. As preocupações vão mesmo mudando. Talvez a gente também não durma direito com filhos adolescentes saindo pras baladas.
O investimento é alto: escola, remédio, roupa, lanche, passeio, etc. E tempo. Muito tempo.
Filhos são criaturas engraçadas.
Fazem cada pergunta! Inventam as coisas mais doidas do mundo, histórias, amigos imaginários, lugares, pessoas, bichos, situações inusitadas. Inventam e se reinventam. Tudo para um filho é brincadeira. E quando a bronca também vira brincadeira, a coisa fica séria e você tem mesmo que se preocupar.
Na verdade,o que eu quero mesmo dizer, é que ter filho é tudo de bom.
Talvez o único problema, se é que é problema, é que filho cresce.
Aquele fofinho, lindinho e cheiroso logo mais estará espinhento, com cecê e chulé e milhares de indagações. Aquela coisinha, ontem frágil, vai te enfrentar, te contrariar e te deixar, definitivamente, com os cabelos em pé.
Ou não!
Acho que eles podem ser adolescentes interessantes também. A gente pode (e deve) contar com isso.
Tudo vai depender de você, do meio em que ele vive e claro, da sua própria personalidade.
Pode contar com alguma carga genética. Se seu filho puxar aquela tia chata, você tá na roça e não tem muito pra onde correr. Mas ele também pode puxar o melhor de você, do pai ou de algum parente interessante. Ou o pior e o melhor de cada um.
Enfim. Ninguém é perfeito também.
Filhos também não são perfeitos, como pais também não são.
Independente disso, tenha consciência que filho é laço pra vida toda. Mas não é sua propriedade particular.
Uma hora eles vão querer voar mesmo por aí.
Você não quis?
Então.
Eles também vão querer.
Eles também vão ter opinião própria (às vezes, desde cedo).
Eles vão ter desejos e sonhos.
Muitas vezes, o que eles desejam e sonham pode ser algo completamente diferente daquilo que você pensa que é bom.
Acho que não devemos pensar por eles.
Devemos sim, ensiná-los a pensar.
Acho não, tenho certeza.
Não projete as suas frustrações.
Eles não merecem.
Eles merecem ser respeitados pelo que são.
Assim como você sempre quis que seus pais te respeitassem.
Isso é uma coisa doida.
Eu sou mãe e sou filha.
Quando a gente é só filho pensa de um jeito, mas quando o quadro muda, tudo muda.
Aliás, ter um filho muda tudo na vida da gente.
Ter um filho muda mesmo a gente.
No meu caso, acredito que pra melhor.
Pra muito melhor.
Eu sou uma pessoa muito mais consciente, responsável (sem perder a minha própria essência).
Eu sou uma pessoa muito mais bonita.
Eu sou uma pessoa muito mais realizada e satisfeita.
Eu sou uma pessoa muito, muito, muito mais feliz.

Isso não é cartilha.
Isso é só um pedaço de como me sinto, sendo mãe.

Quero aproveitar pra homenagear a pequena Alice que chegou neste domingo.
Quero homenagear também a nova mãezinha e o novo paizinho, Amanda e Marcus.
A pequenina é que nem sobrinha, pra mim.
Ela nasceu numa famíliona maravilhosa.
Foi muito esperada por todos.

Só quero acrescentar, nisso tudo, o quanto é bom carinho espontâneo do filho, quando ele diz "te amo".
Não é preciso mais nada.

Te ama, pura e simplesmente, por você existir.

11 agosto, 2008

Eu (em tópicos)

eu não nasci há dez mil anos atrás. Mamãe me encomendou na geração mais brega do século XX;

se você não sabe qual a geração mais brega do século XX, adivinhe;

minha vida é um livro aberto (mas só até o terceiro capítulo);

eu tenho medo do cidadão de bem;

eu tenho medo da Narcisa Tamborindeguy, da Vera Loyola e da Hebe Camargo;

eu sinto vergonha alheia (principalmente ao ver Maluf e Clodovil como os mais votados em São Paulo, pra deputado federal);

eu acho que paulista consegue ser muito burro (vide constatação acima, dentre outros);

eu acredito que o inferno é aqui (o céu, de vez em quando, também é);

eu não acredito em instituições;

eu adoro bocejar em reunião;

eu tenho o nariz grande e me orgulho disso;

eu sonho, principalmente, quando não estou dormindo;

nem sempre eu acordo quando estou acordada;

eu odeio ter que escolher o que vestir, toda manhã;

eu nunca vi um chester;

meu cérebro só estabelece sinapses após 11h da manhã;

em muitos casos, títulos tem o mesmo valor que papel higiênico (cagado);

eu acredito que o futebol, em alguns níveis, causa demência séria nas pessoas;

o Big Brother, idem;

a TV aberta, então, nem se fala;

eu acredito que homem vidrado em comprar carrão tem o pau pequeno;

eu odeio shopping center;

é insuportável trabalhar num ambiente com mais de duas mulheres;

eu acredito que metrô na cidade inteira de São Paulo é a única solução para este trânsito caótico;

isso, contanto que o carro deixe de ser símbolo de status;

status de cu é rola;

eu vou pra Cuba antes do Fidel bater as botas;

eu quero que a Telefônica vá pra casa do caralho;

eu acho que a revista Veja é ótima e útil (para meu cachorro cagar em cima);

eu não tenho síndrome de vira-lata;

por isso, quem tem síndrome de vira-lata acha que sou chata e revoltada;

eu sou mesmo revoltada, e daí?

pra mim, beleza é relativa e estética não significa beleza;

eu mando recado para os burros nas entrelinhas;

eu sei que os burros, por serem burros, não vão entender as entrelinhas;

eu falo diretamente para os burros que, de tão burros, ainda assim não entendem;

às vezes eu me sinto um alien perdido nesse mundo;

a maioria das pessoas não me entende;

nem sempre eu me entendo;

eu estou falando um monte de coisas esquisitas que só eu acho que não são esquisitas;

então eu vou falar como alguém normal;

pra mim, loucura e normalidade estão no mesmo nível;

eu não sei o que é ser normal;

eu amo minha filha, muito, muito multiplicado por milhões;

eu amo minha mãe, sempre;

eu amo meus irmãos (quando não estão em casa);

eu sou ciumenta;

eu sou territorialista (mas não mijo pelos cantos);

eu detesto ter cachorro em apartamento;

meus amigos do peito são poucos, e eu os amo muito;

eu amo cozinhar;

eu amo cozinhar para os meus amigos;

eu amo ficar 5 horas cozinhando para ver todos devorarem tudo em 30 segundos;

pra mim, valor e preço são coisas totalmente distintas;

eu adoro o sanduíche de mortadela do Mercadão;

o sanduíche de mortadela do Mercadão me dá dor de barriga;

leite me dá dor de barriga;

eu sou viciada em café;

eu estou tomando café e comendo brownie enquanto escrevo essas linhas;

eu sou viciada em comprar livros;

eu sou viciada em música;

já deu pra perceber que eu sou revoltada, mas uma revoltada feliz;

eu já estou cansando de falar de mim;

eu já fiquei cansada e vou publicar a postagem;

eu não sei de muita coisa;

o pouco que eu sei eu não sei se sei;

eu não sei o que é saber;

eu não desejo muita coisa pra minha vida;

eu gosto das coisas simples;

meus sonhos e anseios são simples;

eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rock´s rurais.

05 agosto, 2008

da ralé viestes, pra ralé voltarás!

Pois é, eu sou da ralé e tanto já me ralei com a ralé, que gosto de ser ralé, tenho orgulho da ralé, sou gente e sou ralé, pois é, gosto de ser amiga do Zé, Zé Ninguém, Zé Ralé, tudo Zé, eu sou Zé e sou ralé, porque na ralé o pé tá livre, a ralé gosta do chinelo de dedo e tudo mais que não dói o pé, é livre o pé, o corpo é livre, radical livre que faz bem, ser ralé é ser radical livre que faz bem porque ser livre é ser radical e ser bem, e na ralé me ralo, fico amiga da faxineira, do segurança, do peão da obra, do pintor, do montador, da ralé que bate prego, atende telefone, aperta botão do elevador, limpa esfrega enxuga enxagua pra santa diretoria de cu é rola poder pisar com seu scarpin de mil reais, a ralé nem cheira a mil reais, a ralé se rala no salário mínimo, tão mínimo, no máximo que é ser ralé, porque a ralé é a gente sem dente, é gente sem dente e sem pente, mas é gente, é ser, é ralé de onde vim venho e vou, ralé que não tem pensamento ralo como narcisas e loyolas, e seus cachorros e seus condomínios gaiolas, sou ralé, não jogo ovos pelas janelas e não bato em travestis, sou ralé, amiga das domésticas que tem samba no pé, é bom ser ralé, a ralé feliz, a ralé que mesmo sem nada pode tudo, porque tem vontade, a ralé também tem vontade e sabe e mostra bem sua arte, arte de ralé, a ralé poesia música pinta borda samba sonho espírito elevado de ralé, somos todos Zés, tudo Zé Ralé, nem aristocracia pode com a ralé a monarquia de cu é rola a socialite de cu é rola e como sou ralé falo palavrão e mando tomar no cu esse bando de cuzão eu sou feliz ralé feliz ralei ralé.

04 agosto, 2008

Frutos e flores

Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas.
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.

(Marina Colassanti)

23 julho, 2008

Urbanóide

no cinza desta cidade nasci
cresci em meio ao concreto
chorei vendo paisagens nada belas
janelas da minha janela

a urbe me consumiu
e eu me consumi nela

no centro de São Paulo conheci
todo tipo de mazela
as gentes jogadas pelas esquinas
junto ao cocô dos cachorros das donzelas

a urbe me consumiu
e eu me consumi nela

agora aos vinte e oito sei
exatamente pra onde levar minhas panelas
pra longe, lá onde tem folhas verdes,
pássaros azuis e flores amarelas.

a urbe me consumiu
e logo eu sumo dela.

16 julho, 2008

O mundo tá de ponta cabeça

VIOLÊNCIA
Vítima de assalto é morta em ação policial no RJ
Comerciante foi atingido por 3 tiros e não resistiu, assaltante passa bem.


Essa manchete é de cair o cu da bunda.

Juventude católica
Espera-se que encontro movimente prostíbulos
» Milhares de peregrinos são esperados para visita do Papa


Tão vendo só? E o Papa não papa ninguém.

Pressionado, Senado desiste de criar cargos
Cada senador teria um assessor, com salários de quase 10 mil reais.


Nessas horas, só nessas horas, eu lamento os homens-bomba viverem (e morrerem) tão longe daqui.

eu cago

eu não sou blogueira
e muito menos jornalista
e muito e muito menos escritora
e muito e muito e muito menos poeta
(ou poetisa?)
eu odeio termos e padrões
e mais ainda classificações
e mais e mais ainda hierarquias
falsas intelectualidades
carteiradas e afins
nomes e intitulações
ao bem da verdade
eu pouco me importo
sendo bem grosseira
como sei bem ser
eu cago para tudo isso
se eu quero ter um blog
e posso, assim, ter um
eu vou ter
só se eu quiser
se você acha que pra ter um blog
tem que ser jornalista
tem que ser escritor
tem que ser poeta
(ou poetisa?)
saiba bem, meu amigo
(ou amiga)
que quando escrevo essas linhas
eu continuo, do meu modo grosseiro
porém essencial, verdadeiro
cagando pra isso tudo
cagando pras panelas de hipócritas
cagando pras instituições
cagando pro corporativismo barato
cagando pra política de barganhas
cagando pros interesseiros e interessados
cagando pros críticos e seus gostos pessoais
cagando pros blogueiros institucionalizados
cagando pros informes publicitários
mas cagando com respeito, é claro
cagar é uma arte
cagar é como arte
é algo natural
é algo essencial
é como respirar
é como comer
é como isso que eu tou fazendo
que é verbalizar
que é expressar
que é falar abertamente
sem precisar de um editor demente
lapidando o que a gente sente
ninguém mexe na minha mente
e é por isso
somente por isso
que eu cago pra tudo isso, gente.

Sonho



eu sempre sonhei
os meus sonhos
e nos meus sonhos
era sempre eu sonhando
o sonho que só eu podia sonhar
sonho de um só
sonho de alguém só
que só sonha
e sonha só
mas agora eu sonho
um sonho que é meu
mas é também sonho de outro
e esse outro é sonho meu
é sonho que um dia sonhei
e que agora descobri que ele existe
não mais em sonho
apesar de ser como um sonho
ele é real
e eu que sou real
pude agora descobrir
que também sou sonho do outro
nunca sonhei em ser sonho de outro
eu fico até lisonjeada
e tudo é tão bonito e bom
que parece sonho
mas é um sonho tão real
que nem sonho de valsa
derretendo na boca
que nem sonho de padaria
melecando os lábios
é um sonho doce
o meu sonho
o sonho dele
e agora sonhamos juntos
o sonho que não é mais
sonho de um só
é sonho de dois
é sonho pra dois
é o nosso sonho
só e somente
de nós dois.

Aqueles são os homens

Aqueles são os homens
e seus gêneros
masculinos
femininos
e seus gênios
péssimos
ruins
arredios
Aqueles são os homens
que pensam no poder
que pensam no foder
e confundem as coisas
porque no fundo
de toda essa confusão
eles não sabem
o que é pensar
eles não sabem
o que é poder
o que é fazer
e que o foder
bem feito
pode ser tão bom
quanto fazer bem feito
e que pode ser melhor
que o poder bem usado
o poder que não é
abusar do outro
que poder não é o cargo
que oCUpas
e que foder é mais gostoso
quando um fode outro
e outro fode um
quando dois querem foder
com gosto e com gozo
que poder não é foder o outro
lhe puxando o tapete
gritando e cuspindo na cara
suas frustrações
suas inseguranças
seus medos
suas idéias vazias de idéias
suas vidas vazias de ideais
Aqueles são os homens
e seus gêneros
e suas mentalidades tacanhas
e suas pobrezas de espírito
de alma de sonho
Aqueles são os homens
e seus gêneros
e suas gordas e fartas contas bancárias
Porém
Aqueles são os homens
e seus gêneros
que carregam em si a própria miséria.

08 julho, 2008

Ah, como eu amo spams!

Vendo sapato de couro velho com furo no dedão do pé esquerdo e merda fossilizada com catarro petrificado na sola do pé direito.
Podem perguntar pra Dona Nilcéia, já que o sapato é herança da minha falecida avozinha, que os trouxe da cidade de Rolândia na década de 50. Eles andaram por todo norte do Paraná, além das cidades de Tietê, Pirapora do Bom Jesus e pela estrada velha de Santos.

Cobro apenas 7 cafés no Fran´s Café o par.

Aceito permutas com almoço vegetariano.

Interessados podem me enviar um email, um torpedo no celular.

Podem me mandar à merda também que eu aceito.

Abraço (por trás)

25 junho, 2008

Tecnologia

Simples assim.
Comprei, a preço de banana, um super celular que lava, passa, cozinha, nina o nenê, desperta a dor, arruma a casa, e ainda por cima tem um tocador de MP3.
Nas viagens a trabalho, é útil.
Vai tocando todas as musiquinhas que nele coloquei.
Todo mundo se diverte.
Eu, o meu amigo e o motorista.
E o tocador ali tocando, como aqueles radinhos de pilha.
Lembra dos radinhos de pilha? Aqueles vermelhinhos, que neguinho colocava na orelha pra ouvir jogo de futebol, já que o estádio é grande e lotado e não dá pra ver porra nenhuma?
Então, o meu super celular, é parecido com o radinho de "pia".
Aí, na viagem, o motorista diz:
- Esse é o primo-rico do radinho.
E meu amigo completa:
- Pois é, tanta evolução, para voltarmos para o mesmo lugar.

24 junho, 2008

Falando de amor com Fernando Tucori

Eu gostei tanto, mas tanto, e tanto do que ele disse, que resolvi postar o link aqui, para que outros gostem tanto, mas tanto e tanto quanto eu.

Falando de amor com Fernando Tucori

O Fê é aquele meu amigo, irmão e companheiro de loucuras, brisas e viagens, a quem dediquei um tópico logo que criei este blog (arquivos de 2005).

Divirtam-se.

Metade

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é a platéia
A outra metade é a canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

(Oswaldo Montenegro)


Para alguém especial.

Antes fosse...

Antes fosse este cimento um chão de areia
Antes fosse o instrumento um belo rabo de sereia
Antes fosse o meu tormento um grito de baleia
Antes fosse o casamento todo fogo que incendeia
Antes fosse esse momento como um disco de Candeia

O samba tocando no peito
em noite de lua cheia.

23 junho, 2008

O fora

A menina pula, corre, dança, ri, ri mais um pouco, dança mais um pouco, pinta e borda o dia inteiro.
A mãe se mata na faxina, limpa banheiro, lava roupa, louça, lenço, tira pó o dia inteiro.
E de noitinha:

- Filha, vai tomar banho!

A menina se joga no sofá.

- Filha, já falei pra você ir tomar banho! A-go-ra!

A menina se esparrama nas almofadas.

- Já vou, mãe, é que eu tô tão cansada!

A mãe a puxa pelas perninhas finas.

- Cansada tô eu, que limpei a casa o dia todo! Como você pode estar cansada, se não fez nada o dia inteiro?

A menina olha de soslaio.

- Mãe, brincar é não fazer nada?

O mar

O menino, nascido no sertão da Paraíba, vendo o mar pela primeira vez na cidade do Recife:

- Pai, mas que açude grande é esse!!

20 junho, 2008

Subterrâneos do inferno

[Centro de São Paulo]

Eu desço aos subterrâneos do inferno todos os dias.
Pela manhã cedo, oito e meia especificamente.
Eu passo a catraca e sinto calafrios.
As escadas que dão para os subterrâneos do inferno são longas.
Mais longo é o tempo que levo pra conseguir alcançar a plataforma.
Alienígenas subindo em minha direção.
Eu quase perco o rumo.
Quase sou abduzida pela massa.
Consigo me desviar.
Finalmente alcanço a plataforma.
A plataforma do inferno.
Corpos se arrastam.
Espíritos apagados brigam por um pedaço de chão para pisar.
Rostos entristecidos pela rotina se esbarram.
O tempo passa em câmera lenta.
Eu corro contra o tempo.
Eu corro para o trem.

O trem atravessa os subterrâneos do inferno
que cortam por dentro a cidade alerta,
a cidade que não pára,
a cidade que cresce desenfreadamente,
preenchida de almas vazias,
estonteantes,
que carregam no semblante
a loucura da metrópole caótica.

02 março, 2008

Ronda

Não sinto vontade de escrever nada.
Estou vendo pessoas queridas indo embora.
O que tem ficado aqui dentro é um profundo silêncio.
A morte tem feito ronda em ruas próximas.
Eu nada posso fazer.
Eu me calo e deixo um vazio.
O vazio de ser obrigada a aceitar que tudo na vida tem um fim.
A própria vida tem um fim.
As coisas boas se vão.
As pessoas boas se vão.
O meu silêncio fica.

Eu nada posso fazer.
A morte tem feito ronda em ruas próximas.
O que tem ficado aqui dentro é um profundo silêncio.
Estou vendo pessoas queridas indo embora.
Não sinto vontade de escrever nada.

13 fevereiro, 2008

Algumas palavras

Não sei nem por onde começar. Meu coração se aperta a cada vez que lembro e penso na tragédia que tirou a vida de minha amiga Liliane Assunção, a Lily, e de mais outras meninas jovens e cheias de vida. Mas juro que não quero mais pensar na tragédia. Quero pensar em todos os momentos bons que passei com ela. Nesses dois últimos dias olhei novamente todas as nossas fotos, da época da faculdade, da festa surpresa que a turma aprontou pra mim em meu aniversário, e lá estava ela, participando de toda organização. Dos churrascos que fizemos com a turma, as gargalhadas nos intervalos das aulas, os estresses dos trabalhos, as festas à fantasia, as viagens para Santos, IlhaBela, o reveillón na casa do Tiago também com a turma, a nossa formatura, as visitas que ela me fez quando minha filha nasceu. Uma vez, quando eu trabalhava no programa Bem Brasil, fechamos um show com a Cássia Eller, dia 04/12/2001 (Cássia veio a falecer semanas depois). Lily era fã incondicional de Cássia. Depois do show, quando eu a levei para o camarim para conhecê-la pessoalmente, ela até chorou. Me agradeceu durante tempos por causa disso.
Revi alguns vídeos, as nossas bagunças na represa do Guarapiranga, o TCC que fizemos juntas. Reli nossos roteiros de rádio, dentre outras coisas.

São histórias, registros, memórias, que carregarei para sempre, assim como o sorriso largo e vistoso da Lily, que sabia viver intensamente, que sabia ser feliz, e que no fundo eu bem sei, que ela se foi, e se foi feliz.