23 outubro, 2005

Hino à Arte

Toda vez que se inaugura um palco, os Deuses do Teatro ficam contentes e festejam.

Não porque ganharam um novo templo, são Deuses humildes, não querem ser adorados.

Nem gostam.

Mas porque sabem que assim os homens ao redor serão mais felizes.

Terão ali a oportunidade rara de assistir a própria grandeza, de ver espelhada ali a sua própria grandeza.

Ali serão vividas grandes amizades e amores.

Ali todos trabalharão juntos, criando acontecimentos que jamais ocorreriam sem o palco.

O palco sabe que não é apenas tábuas no chão.

Que é um gerador de significados.

Ali é o lugar onde a imaginação ficará livre, sendo a imaginação o único campo em que um homem é realmente livre.

Ali serão discutidos os problemas da comunidade, porque o palco sempre foi a melhor tribuna.

Ali, homens diante de homens falarão de sua alma.

Discutirão e compartilharão alegrias e tristezas como se fossem um só.

Trabalharão alegremente por um mundo melhor e mais solidário.

Inaugurar um teatro é criar uma ilha de liberdade.

De lucidez.

De solidariedade (nada une mais as pessoas do que o teatro).

Não é somente um local de diversão.

É isso também.

Mas, principalmente, é um lugar de reflexão, de descoberta, da revolução e do encontro com o outro.

Domingos de Oliveira

20 outubro, 2005

Diálogo

Belo dia EU, eu, resolvi dialogar com o mundo. EU, eu, achava que ele nunca ia me responder. Achava que ele por ser tão grande, tão imenso em suas proporções, e eu, EU, tão pequena e insignificante, não conseguiria resposta.

MUNDO - não queira ser Atlas.
EU - mas não quero ser Atlas. Quero ser eu.
MUNDO - mas você ainda nem sabe quem é de verdade.
EU - talvez essa seja a única coisa que eu sei - e de verdade.
MUNDO - não sabe nada. Você não sabe de nada. Aliás, NINGUÉM sabe de nada.
EU - mas NINGUÉM? quem é este?
MUNDO - é alguém que você, EU, já ouviu falar.
EU - ALGUÉM? o que significa ser ALGUÉM?
MUNDO - a mesma coisa que significa ser EU, NINGUÉM e todo mundo. Aliás, desculpe, MUNDO não, este sou eu, alguma coisa. TODO SER HUMANO.
EU - não consigo te entender.
MUNDO - mas isso é óbvio. Assim como você, EU, NINGUÉM e ALGUÉM nunca vão entender nada, mas sim tentar entender. Assim nascem e assim morrem e só eu, MUNDO, consigo lhe pregar as peças certas.
EU- tá falando de que?
MUNDO - de tudo, ué. Ou você acha que é simples me ferir, jogar tudo a mim sem que eu dê retorno em relação a isto.
EU - peraí... esse discurso eu ouvi do PLANETA. Você, MUNDO, é só uma parte dele.
MUNDO - não, nós somos a mesma coisa. Sem eu, MUNDO, você, EU, não existiria, concorda?
EU - é... nem tenho como não concordar. Talvez seja uma questão de conceituação.
MUNDO - e pra que querer conceituar?
EU - pra ter uma referência, talvez. Isso eu nunca questionei.
MUNDO - então comece a questionar. Vai fazer bem. Disse que sabia quem era de verdade mas não sabe mesmo. O que sabe é conceito e classificação. O que é de verdade não tem conceito ou classificação, só é e pronto.
EU - você quer me confundir.
MUNDO - mas você já é confusa. Aliás, todos são confusos. Até o NINGUÉM, a anulação do ALGUÉM, é confusa. Vocês que criam suas próprias confusões, e depois não sabem se livrar delas.
EU - confusões e conflitos, talvez. Ou tudo junto... mas... que papo de louco é esse?
MUNDO - foi você quem começou. Não classifique esta conversa. Você jogou seus desejos a mim. Você quis me carregar nas costas e se deu mal.
EU - Por isso me chamou de Atlas. Mas Atlas não te carregou nas costas, mas sim o céu.
MUNDO - e onde está o céu senão em mim?
EU - nossa... estou me sentindo uma ignorante perto de você.
MUNDO - esqueça dos adjetivos. Você faz parte de mim, não está perto de mim. Se você não cuidar de mim consequentemente não cuidará de você.
EU - e quando eu me for você continuará por aqui.
MUNDO- quem sabe? De qualquer forma, você continuará fazendo parte de mim, mesmo quando se for.

Depois disso, EU, eu, resolvi ficar calada. Nunca mais farei perguntas ao MUNDO porque ele nunca me dará uma resposta concreta.

Apenas senti um certo alívio em minhas costas.