25 maio, 2007

Fragmento XII

Se não vos vejo

Vos sinto por toda parte.
Se me falta o que não vejo
Me sobra tanto desejo
Que este, o dos olhos, não importa.

(Antes importa saber
Se o que mais vale é sentir
E sentindo não vos ver.)

São coisas do amor, senhor,
Desordenadas, antigas.
E são coisas que se inventam
Pra se cantar a cantiga.

Não são os olhos que vêem
Nem o sentido que sente.
O amor é que vai além
E em tudo vos faz presente.

Fragmento XII - Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor - Hilda Hilst (1960)

22 maio, 2007

Eu mereço

Sim.
Eu mereço sim.
Coisas boas para mim.

Passei tanto tempo num marasmo, e hoje nem caibo dentro de mim mesma.
Já estava quase desistindo de tudo: um trabalho que tanto desejo, um amor verdadeiro, alegria nas coisas pequenas e mínimas da vida.
Busca desenfreada pela minha própria essência.
Que posso querer mais, além do aprendizado das coisas do mundo e da vida, e ser feliz?

Será muita areia para o meu caminhãozinho? Na, nã, não.
Tem coisas que demoram um certo tempo para acontecer, e tenho acreditado que para isso basta querer, mas esse querer tem que ser verdadeiro, com o coração.
Nessas duas últimas semanas tem me acontecido coisas tão boas e bacanas, que me fizeram cair as fichas de que isso nada mais é do que puro merecimento.
Estou colhendo os frutos do que plantei há tantos anos atrás.
Nem bem os frutos, mas as mudas já despontaram.
E plantar não é suficiente, tive de regá-los muito bem, pouco a pouco.
Mas regar também não basta, você tem que ser paciente, muito paciente, para esperar crescer.
E quando isso tudo crescer, e atingir seu tamanho máximo, não vale o comodismo: é preciso, também, cuidar e não deixar morrer.

Termino por aqui, deixando aquele quê de curiosidade nos raros leitores do meu modesto blog.
E fecho, com um trecho de uma música do André Abujamra, que gosto muito.
Carpe diem!

Tamanho de caminhão
Buzina de fusquinha
Tamanho de lambreta
Força de trator

Nem tudo que aparenta ser é
Tudo que é, é

Pensar é fácil
Fazer é difícil
Sujar é fácil
Limpar é difícil

Casar é fácil
Regar é difícil
Gostar é fácil
Amar é difícil

(da música O Dah Ho - André Abujamra - CD Infinito de Pé)

12 maio, 2007

Mahalab, Aura Sonora

De que a música é o espelho da alma, muitos já ouviram falar. Mas imaginem uma música que não só reflete a alma de quem a faz, e que ao mesmo tempo seja como um espectro, enchendo de cor a alma de quem a sente. Assim me senti ouvindo Mahalab.
Banda de aura sonora, de sentimentos puros, profundos, que nos faz conectar com nosso eu e nosso mundo. Extrema autenticidade no trabalho autoral, caracterizando um estilo próprio original e ousado.
A voz de Jamila Maia preenche os espaços com leveza e suavidade, ao mesmo tempo que exprime força e grandiosidade.
Os dedos de Maurício Verderame deslizam pelo baixo como se tecessem um manto de estrelas (e de alguma forma, me fez chegar até elas!)
Pedro Moreno toca sua bateria como um grande pintor expressionista e suas telas.

Enfim, Mahalab me fez voar sem que eu precisasse, sequer, tirar os meus pés do chão!


http://mahalab.blogspot.com/

11 maio, 2007

Panis et Circensis

Depois do lamentável episódio no show dos Racionais MC´s na madrugada do dia 06 de maio, na Praça da Sé, comecei a pensar mais profundamente na programação da Virada Cultural e até no que isso interfere culturalmente na cidade.
Aqui não me interessa falar sobre a música da periferia, discorrer sobre os shows, espetáculos, não nesse momento, ou sobre a ação da polícia, sobre quebra-quebra, vandalismo ou escândalo. Me interessa falar um pouquinho sobre o que vejo da política pública para a cultura na cidade de São Paulo, ou até sobre a possível falta dela.
Vamos começar pelo orçamento da Virada Cultural 2007, realizada nos dias 05 e 06 de maio. Segundo notícia veiculada na Folha de S. Paulo, "estima-se que o custo seja 33% do orçamento total (R% 12 milhões) da Secretaria da Cultura para 2007". Gente, 33% do orçamento da cultura em apenas 24 horas!!! E as outras 8736 horas do restante do ano? E todo mundo acha lindo apenas uma vez por ano o poder público atuar numa programação que ganha destaque, por conta do tamanho e grandiosidade do evento, e não propriamente, porque prima pela qualidade e pela intenção de transformação no cenário cultural da cidade.
Isso sim acho lamentável.
É a velha política do Pão e Circo.

03 maio, 2007

Melhor herança, impossível

Tenho lido tanto ultimamente, mais do que talvez eu tenha lido no ano passado inteirinho. Isso tem uma razão: no ano passado eu trabalhei mais do que as tetas das vacas leiteiras que abastecem a Parmalat. Não tinha tempo. Quando tinha, só queria dormir, de tanto cansaço. Agora trabalho como gente, em horário de gente, e tenho tempo para ler, e tenho, principalmente, muita disposição para ler.
Estou voltando à fase da devoração dos livros.

Quando eu era pequena, além de dentista (acredite se quiser) e bailarina, eu queria ser escritora. Adorava escrever. No Colégio de São Bento, onde estudei até a quinta série, tinha um jornal interno, publicado pelo pessoal do grêmio escolar (isso ainda existe?), chamado O Bentinho Picareta. Era muito bacana esse jornal. Às vezes eles selecionavam as melhores redações do primário, ginásio e colegial. Publicaram redações minhas diversas vezes.
Minha mãe tinha uma máquina de escrever verde, que eu gostava muito. Pegava folhas de sulfite e escrevia, escrevia, escrevia as minhas estórias sem parar. Inventei gente, inventei mundo, inventei tanta coisa e... hoje sinto saudades de um dia ter sido assim. De um dia ter tido uma imaginação tão fértil e de não ter me preocupado com o que os outros poderiam achar.
Duvido que Machado de Assis, Hilda Hilst, Julio Cortázar, entre mil outros, tenham se preocupado muito com a opinião alheia ao criarem personagens irônicos e às vezes absurdos.
Mas eu não sou a Hilda Hilst ou o Machado de Assis.
Bem, isso não importa.

O que importa é o assunto a que quero me referir: voltar ao velho e bom hábito da devoração de livros. Já estou voltando. Nos últimos dois meses cheguei a ler de 1 a 2 livros por semana. Ainda larguei o Werther no meio, porque ele é suicida e deprê, e eu não estou nesse pique. Tenho momentos e momentos para ler determinadas coisas.

Essa mania eu herdei de minha mãe.
Talvez fique de herança também os seus livros.
E meu padrasto já me deu coleções de obras, principalmente de literatura dramática, algumas escritas até em italiano e francês, que ele herdou de seu avô e nunca leu. (talvez eu tenha que me tornar uma poliglota forçadamente, para não desperdiçá-los).
Juntando tudo, terei leitura para uma vida toda.

Melhor herança que essa, impossível.

02 maio, 2007

Kill Kitty

Tarantino que se cuide. Depois de Kill Bill, a grande novidade é a Kill Kitty.
Acabei de me tornar uma assassina de gatinhos indefesos.

Sábado passado estava eu, no fatídico almoço de família, conversando com a parentada toda, aguardando um bom momento para tomar um café. Enquanto ninguém se decidia ou tomava coragem de ir até a cozinha pôr a água para ferver, conversávamos sobre coisas corriqueiras, uma vez em que parente que se vê todo fim de semana nunca tem muito o que conversar. Sentei do lado do meu avô, no sofá menor, minha avó estava sentada na sua cadeira confortável, minha tia-avó numa outra, e no sofá maior sentou a minha tia, seu marido, meu primo menor (14 anos) se aconchegou no meio dos dois, e a cachorrinha deles pulou em cima dos três. Com o circo familiar armado, surgiu o seguinte comentário: "olha a família toda reunida, falta só o João (meu primo maior)". E eu arrematei "falta o João e o Simba (o velho gato deles)". Meu avô, meio sem jeito, "mas o Simba não dá mais". E eu "como não dá mais". Aí ele respondeu "o Simba já foi". Tomei um susto porque fofoca na família corre rápida e solta, e perguntei diretamente à minha tia "O Simba morreu? Quando?". Ela disse "ah, hoje. Ele estava no veterinário desde terça-feira, com problema nos rins".
Pronto. Era o segundo que faltava para o meu primo se levantar e sair correndo para chorar no banheiro. Aí meu avô, minha tia e minha tia-avó lançaram olhares fulminantes em minha direção, dizendo "não fique falando, não toque no assunto, porque ele sofre!".
Em menos de um minuto minha irmã chega com o meu primo maior, e quando eu fui abrir o portão, maldita boca "Ana, o Simba morreu hoje, a tia só me contou agora".
Pronto. Era o segundo que faltava para o meu outro primo entrar na casa começar a chorar também.
Aí me lançaram, em dobro, mais olhares fulminantes, que diziam "olha só o estrago que você fez". E ainda pra ajudar, minha irmã "Você entrou falando aquilo e o João nem sabia".
Pronto. Era o segundo que faltava, agora sim, para eu abrir a minha maldita boca e falar um monte:
"Isso é normal, chorar a perda do nosso bichinho é sempre normal. Não tentem poupá-los desse sofrimento, porque isso é impossível. Deixe que sofram e que chorem."

E assim, metaforicamente, me tornei uma assassina de gatinhos.
E é aqui onde coloco todos esses poréns:
1) nenhum deles tem 4 ou 5 anos, para que tenham que dar mil voltas para contar um fato que por si só, já diz o inevitável, que é a morte.
2) mal sabem eles que com 11 anos de idade minha periquita (ave, hein) Ceci morreu na minha mão, enquanto eu passava remédio no seu bico. Eu sobrevivi!
3) mal sabem eles que, aos 14 anos, ninguém teve coragem de levar a nossa gatinha Bolinha para o sacrifício (a mando do veterinário, porque não havia mais jeito), e lá fui eu, carregando a gata no balaio e chorando no caminho. Eu também sobrevivi!
4) o pior exemplo que posso dar para isso tudo é que eu espero que eles nunca percam um amigo, como eu perdi há alguns anos atrás, assassinado brutalmente, sem motivos. Uma pessoa que tinha uma vida inteira pela frente, 27 anos de pura alegria, alguém que vou trazer comigo para sempre. E, apesar do peso todo dessa perda, eu também sobrevivi.

Sobrevivi, e cá estou para contar essas histórias e muitas outras mais. Viver que é duro, minha gente, morrer é ganhar a chance de se libertar.

Paz.