17 abril, 2007

O Mundo Maravilhoso de Mário Quintana

Em homenagem ao maravilhoso escritor e poeta Mário Quintana, ofereço aos raros leitores deste modesto blog, alguns fragmentos do livro "Na Volta da Esquina" (RBS/Ed. Globo, 1979).

a amiga

Ele chegou ao bar, pálido e trêmulo. Sentou-se.
- Por enquanto, nada - desculpou-se ao garçon. - Estou esperando uma amiga.
Dali a dois minutos, estava morto.
Quanto ao garçon que o atendeu, esse adorava repetir a história, mas sempre acrescentava ingenuamente:
- E até hoje, a "grande amiga" não chegou!


fim

E chegará um tempo em que os militares inventarão um projétil tão perfeito, mas tão perfeito mesmo, que dará volta ao mundo e os pegará por trás.


fatalidade

O que mais enfurece o vento são esses poetas inveterados que o fazem rimar com lamento.

placas

Ah, meu pobre Coronel Emerenciano, quem sois vós? Quem sois vós, Dona Maurília, Fernando Ivo? Altamirando Barbosa da Silva? Quem sois vós, com todos esses inúteis cartões de visita deixados teimosamente em cada esquina? Que vergonha, velhinhos... Essa coisa de a gente virar rua é uma forma pública de anonimato.

"a poesia é necessária"

Título de uma antiga seção do velho Braga na Manchete. Pois eu vou mais longe ainda do que ele. Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus, não tem importância. É preferível, para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética representaria, no caso, como que um esforço de auto-superação.
É fato consabido que esse refinamento do estilo acaba necessariamente o refinamento da alma.
Sim, todos devem fazer versos. Contanto que não venham mostrar-me.

poeminho do contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

imagem

Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?

um epitáfio para catulo da paixão cearense

Catulo não morreu: luarizou-se...

da preguiça

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.

destino atroz

Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando os escreve e, por último, quando declamam seus versos.

imaginação

A imaginação é a memória que enlouqueceu.

leitura

Essa mania de ler sobre autores fez com que, no último centenário de Shakespeare, se travasse entre uma professorinha do interior e este escriba o seguinte diálogo:
- Que devo ler para conhecer Shakespeare?
- Shakespeare.

sinônimos

Confesso que até hoje só conheci dois sinônimos perfeitos: "nunca" e "sempre".

e daí?

Falam muito no Sono Eterno. Sempre falaram, aliás... E daí?
Daí, só uma coisa me impressiona, e muito: a ameaça de uma Insônia Eterna.

precaução

As damas gordas não devem usar vestidos estampados, para não se repetir o que aconteceu certa vez, quando um senhor sentou no colo de uma delas, pensando que fosse uma poltrona.

sangue e areia

O mais revoltante nas touradas é que os touros não são aplaudidos quando saem vencedores.

o tempo

O tempo é um ponto de vista dos relógios.

epígrafe

As únicas coisas eternas são as nuvens...

a companheira

A lua parte com quem partiu e fica com quem ficou. E, pacientemente, aguarda os suicidas no fundo do poço.

ao pé da letra

Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta.

interpretações

Mas para que interpretarem um poema? Um poema já é uma interpretação.

incomodidade

O ruim dos filmes de Far West é que os tiroteios acordam a gente no melhor do sono.

a esfinge

Na volta da esquina encontrei a Esfinge. Petrifiquei-me. Ela me disse então, olhando-me nos olhos:
- Devora-me ou decifro-te!

biografia

Era um grande nome - ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.

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