19 abril, 2007

Uma cultura para todos

No ano passado, o Theatro Municipal de São Paulo recebeu o Ballet de Moscou com 3 espetáculos diferentes: O Lago dos Cisnes, Dom Quixote e Romeu e Julieta. Quando soube que eles viriam para cá, fiquei eufórica. Definitivamente, eu não poderia perder uma das grandes cias. de dança clássica do mundo, algo tão tradicional, ainda mais vinda da Rússia, país riquíssimo culturalmente. Estabeleci uma corrida atrás de ingresso, falei com um, falei com outro, até que um amigo, também produtor, através de seus contatos, arrumou dois ingressos para assistirmos o Dom Quixote. Eu estava empolgadíssima.
Chegamos um pouco mais cedo e ficamos sentados na escadaria do Theatro, esperando a pessoa que viria com os ingressos. Desde ali de fora, fui observando o público: grandes carros importados paravam, e deles desciam grandes peruas, de laquê nos cabelos, super maquiladas, com seus digníssimos maridos de terno e gravata, ou black-tie, sapato lustroso, carregando a tira-colo os filhos adolescentes, vestidos como velhos. Ainda comentei com meu amigo: baile de gala? ou festa de casamento? E ríamos, ríamos tanto, com nossas calças jeans e nossos simplérrimos par de tênis. "O pior é que é esse o tipo de público que vem assistir o ballet clássico tradicional"- disse meu amigo com ar sério - "é muito parecido com o público que frequenta a Sala São Paulo". Até aí, tudo bem. Se as pessoas acham chique usar roupa de gala para ir ao teatro, tudo bem. Na minha visão, isso é algo ultrapassado, elitista e conservador e, dependendo da ocasião, pode beirar ao cafona. Foi-se o tempo em que esse tipo de manifestação artística era fechada para a aristocracia.
Ou não?

O espetáculo foi ruim, fraco, uma bailarina caiu no mesmo lugar 3 vezes, e o segundo ato foi quase uma hora de rodopios incessantes dos solistas da cia. Mas o pior nem foi isso. A cada peripécia no palco, uma arrancada de aplausos na platéia. Ou seja, a cada gesto, a cada respirada, alguém puxava um aplauso e o resto da platéia acompanhava. Até a bailarina que escorregou foi aplaudida. A impressão que tivemos é que essas pessoas ficam tanto tempo sem assistir a um espetáculo, que quando vêem um, mesmo que ruim, ficam histéricos. Estragaram toda e qualquer pausa dramática proposta. Fiquei profundamente irritada. Meu amigo também.
Saímos xingando do teatro, principalmente a platéia. De que adianta se vestir daquele jeito e ter um comportamento quase que de torcida de futebol? Nós e nossas modestas calças jeans, conseguimos absorver muito mais do espetáculo do que essa gente afobada e exagerada.
Na nossa conversa, falei sobre como me senti decepcionada, até porque criei muita expectativa em cima do Ballet de Moscou. Comentei sobre um espetáculo de dança-teatro, que havia assistido pouco tempo antes, "La Chambre D´Isabella", da Need Company (Bélgica), e sobre um outro da cia da Martha Grahamm, em 2005. Dois espetáculos mais maravilhosos que já vi nesses meus poucos 26 anos de idade.

Voltando ao assunto da aristocracia, pensando melhor, existe sim uma cultura para as elites. Nem eu que trabalho na área cultural, não tinha dinheiro para comprar um ingresso para o Ballet de Moscou (aliás, pouca gente que vive de arte nesse país ganha muita grana). E me recuso a pagar um preço exorbitante na Sala São Paulo. Me recuso, mesmo. Prefiro pagar 10,00 para ver a Sinfônica Municipal, ou a Orquestra Experimental de Repertório lá no Theatro Municipal. Até porque acho muito absurdo o John Neschling embolsar mais de cem mil reais por mês. Entendam que não estou falando sobre sua competência enquanto maestro, ele fez um trabalho muito importante com a OSESP. Mas, no país que a gente vive, um maestro receber um salário absurdo como esse, pago ainda pelo Estado, é demais. Simplesmente não dá.

Isso tudo me arremeteu a uma outra lembrança: na época em que eu trabalhava na Rádio Cultura, se falava muito em popularizar o Theatro Municipal. Se não me engano, estávamos na era Pitta na prefeitura (tenho cólicas só de lembrar). E eu ouvi, da boca do diretor do Theatro, que tinha um programa lá na rádio, as horripilantes palavras: "Quero proibir o público de entrar de calça jeans e tênis no Theatro. Imagine só, as pessoas sentando de calça jeans nas minhas cadeiras de veludo!!".

Ah, seres humanos, cada vez mais malditos, maldosos e contraditórios!!
Ah, quantos ainda que confundem Poder com Foder!

Um comentário:

Amanda Herrera Massucatto disse...

... é de foder mesmo né...
e tá pra nascer alguém tão culto... puta merda...