28 agosto, 2008

Fome

sinto fome
das coisas grandes
e pequenas
fome de abraço
dos braços que longe estão
fome de olhar nos olhos
de apertar a mão
fome da presença dos amigos
que é saudade
fome da vida plena
que é felicidade
fome de beijo demorado
fome de ter ao lado
o tempo todo, meu amado
fome dos sorrisos que não se fecham
fome de lágrimas que não escorrem
fome de sonhos ainda não sonhados
fome das flores que não morrem
fome das inquietações que me movem
sinto fome
fome também é sentimento
e assim, faminta sigo,
até que a fome se esgote
ao final de meu próprio tempo.

19 agosto, 2008

Filhos

Filhos são criaturas danadas.
Vou dizer: dão um trabalho do cacete. A gente nunca mais dorme direito. Pelo menos até a figurinha atingir determinada idade, não. Bem, sei lá. As preocupações vão mesmo mudando. Talvez a gente também não durma direito com filhos adolescentes saindo pras baladas.
O investimento é alto: escola, remédio, roupa, lanche, passeio, etc. E tempo. Muito tempo.
Filhos são criaturas engraçadas.
Fazem cada pergunta! Inventam as coisas mais doidas do mundo, histórias, amigos imaginários, lugares, pessoas, bichos, situações inusitadas. Inventam e se reinventam. Tudo para um filho é brincadeira. E quando a bronca também vira brincadeira, a coisa fica séria e você tem mesmo que se preocupar.
Na verdade,o que eu quero mesmo dizer, é que ter filho é tudo de bom.
Talvez o único problema, se é que é problema, é que filho cresce.
Aquele fofinho, lindinho e cheiroso logo mais estará espinhento, com cecê e chulé e milhares de indagações. Aquela coisinha, ontem frágil, vai te enfrentar, te contrariar e te deixar, definitivamente, com os cabelos em pé.
Ou não!
Acho que eles podem ser adolescentes interessantes também. A gente pode (e deve) contar com isso.
Tudo vai depender de você, do meio em que ele vive e claro, da sua própria personalidade.
Pode contar com alguma carga genética. Se seu filho puxar aquela tia chata, você tá na roça e não tem muito pra onde correr. Mas ele também pode puxar o melhor de você, do pai ou de algum parente interessante. Ou o pior e o melhor de cada um.
Enfim. Ninguém é perfeito também.
Filhos também não são perfeitos, como pais também não são.
Independente disso, tenha consciência que filho é laço pra vida toda. Mas não é sua propriedade particular.
Uma hora eles vão querer voar mesmo por aí.
Você não quis?
Então.
Eles também vão querer.
Eles também vão ter opinião própria (às vezes, desde cedo).
Eles vão ter desejos e sonhos.
Muitas vezes, o que eles desejam e sonham pode ser algo completamente diferente daquilo que você pensa que é bom.
Acho que não devemos pensar por eles.
Devemos sim, ensiná-los a pensar.
Acho não, tenho certeza.
Não projete as suas frustrações.
Eles não merecem.
Eles merecem ser respeitados pelo que são.
Assim como você sempre quis que seus pais te respeitassem.
Isso é uma coisa doida.
Eu sou mãe e sou filha.
Quando a gente é só filho pensa de um jeito, mas quando o quadro muda, tudo muda.
Aliás, ter um filho muda tudo na vida da gente.
Ter um filho muda mesmo a gente.
No meu caso, acredito que pra melhor.
Pra muito melhor.
Eu sou uma pessoa muito mais consciente, responsável (sem perder a minha própria essência).
Eu sou uma pessoa muito mais bonita.
Eu sou uma pessoa muito mais realizada e satisfeita.
Eu sou uma pessoa muito, muito, muito mais feliz.

Isso não é cartilha.
Isso é só um pedaço de como me sinto, sendo mãe.

Quero aproveitar pra homenagear a pequena Alice que chegou neste domingo.
Quero homenagear também a nova mãezinha e o novo paizinho, Amanda e Marcus.
A pequenina é que nem sobrinha, pra mim.
Ela nasceu numa famíliona maravilhosa.
Foi muito esperada por todos.

Só quero acrescentar, nisso tudo, o quanto é bom carinho espontâneo do filho, quando ele diz "te amo".
Não é preciso mais nada.

Te ama, pura e simplesmente, por você existir.

11 agosto, 2008

Eu (em tópicos)

eu não nasci há dez mil anos atrás. Mamãe me encomendou na geração mais brega do século XX;

se você não sabe qual a geração mais brega do século XX, adivinhe;

minha vida é um livro aberto (mas só até o terceiro capítulo);

eu tenho medo do cidadão de bem;

eu tenho medo da Narcisa Tamborindeguy, da Vera Loyola e da Hebe Camargo;

eu sinto vergonha alheia (principalmente ao ver Maluf e Clodovil como os mais votados em São Paulo, pra deputado federal);

eu acho que paulista consegue ser muito burro (vide constatação acima, dentre outros);

eu acredito que o inferno é aqui (o céu, de vez em quando, também é);

eu não acredito em instituições;

eu adoro bocejar em reunião;

eu tenho o nariz grande e me orgulho disso;

eu sonho, principalmente, quando não estou dormindo;

nem sempre eu acordo quando estou acordada;

eu odeio ter que escolher o que vestir, toda manhã;

eu nunca vi um chester;

meu cérebro só estabelece sinapses após 11h da manhã;

em muitos casos, títulos tem o mesmo valor que papel higiênico (cagado);

eu acredito que o futebol, em alguns níveis, causa demência séria nas pessoas;

o Big Brother, idem;

a TV aberta, então, nem se fala;

eu acredito que homem vidrado em comprar carrão tem o pau pequeno;

eu odeio shopping center;

é insuportável trabalhar num ambiente com mais de duas mulheres;

eu acredito que metrô na cidade inteira de São Paulo é a única solução para este trânsito caótico;

isso, contanto que o carro deixe de ser símbolo de status;

status de cu é rola;

eu vou pra Cuba antes do Fidel bater as botas;

eu quero que a Telefônica vá pra casa do caralho;

eu acho que a revista Veja é ótima e útil (para meu cachorro cagar em cima);

eu não tenho síndrome de vira-lata;

por isso, quem tem síndrome de vira-lata acha que sou chata e revoltada;

eu sou mesmo revoltada, e daí?

pra mim, beleza é relativa e estética não significa beleza;

eu mando recado para os burros nas entrelinhas;

eu sei que os burros, por serem burros, não vão entender as entrelinhas;

eu falo diretamente para os burros que, de tão burros, ainda assim não entendem;

às vezes eu me sinto um alien perdido nesse mundo;

a maioria das pessoas não me entende;

nem sempre eu me entendo;

eu estou falando um monte de coisas esquisitas que só eu acho que não são esquisitas;

então eu vou falar como alguém normal;

pra mim, loucura e normalidade estão no mesmo nível;

eu não sei o que é ser normal;

eu amo minha filha, muito, muito multiplicado por milhões;

eu amo minha mãe, sempre;

eu amo meus irmãos (quando não estão em casa);

eu sou ciumenta;

eu sou territorialista (mas não mijo pelos cantos);

eu detesto ter cachorro em apartamento;

meus amigos do peito são poucos, e eu os amo muito;

eu amo cozinhar;

eu amo cozinhar para os meus amigos;

eu amo ficar 5 horas cozinhando para ver todos devorarem tudo em 30 segundos;

pra mim, valor e preço são coisas totalmente distintas;

eu adoro o sanduíche de mortadela do Mercadão;

o sanduíche de mortadela do Mercadão me dá dor de barriga;

leite me dá dor de barriga;

eu sou viciada em café;

eu estou tomando café e comendo brownie enquanto escrevo essas linhas;

eu sou viciada em comprar livros;

eu sou viciada em música;

já deu pra perceber que eu sou revoltada, mas uma revoltada feliz;

eu já estou cansando de falar de mim;

eu já fiquei cansada e vou publicar a postagem;

eu não sei de muita coisa;

o pouco que eu sei eu não sei se sei;

eu não sei o que é saber;

eu não desejo muita coisa pra minha vida;

eu gosto das coisas simples;

meus sonhos e anseios são simples;

eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rock´s rurais.

05 agosto, 2008

da ralé viestes, pra ralé voltarás!

Pois é, eu sou da ralé e tanto já me ralei com a ralé, que gosto de ser ralé, tenho orgulho da ralé, sou gente e sou ralé, pois é, gosto de ser amiga do Zé, Zé Ninguém, Zé Ralé, tudo Zé, eu sou Zé e sou ralé, porque na ralé o pé tá livre, a ralé gosta do chinelo de dedo e tudo mais que não dói o pé, é livre o pé, o corpo é livre, radical livre que faz bem, ser ralé é ser radical livre que faz bem porque ser livre é ser radical e ser bem, e na ralé me ralo, fico amiga da faxineira, do segurança, do peão da obra, do pintor, do montador, da ralé que bate prego, atende telefone, aperta botão do elevador, limpa esfrega enxuga enxagua pra santa diretoria de cu é rola poder pisar com seu scarpin de mil reais, a ralé nem cheira a mil reais, a ralé se rala no salário mínimo, tão mínimo, no máximo que é ser ralé, porque a ralé é a gente sem dente, é gente sem dente e sem pente, mas é gente, é ser, é ralé de onde vim venho e vou, ralé que não tem pensamento ralo como narcisas e loyolas, e seus cachorros e seus condomínios gaiolas, sou ralé, não jogo ovos pelas janelas e não bato em travestis, sou ralé, amiga das domésticas que tem samba no pé, é bom ser ralé, a ralé feliz, a ralé que mesmo sem nada pode tudo, porque tem vontade, a ralé também tem vontade e sabe e mostra bem sua arte, arte de ralé, a ralé poesia música pinta borda samba sonho espírito elevado de ralé, somos todos Zés, tudo Zé Ralé, nem aristocracia pode com a ralé a monarquia de cu é rola a socialite de cu é rola e como sou ralé falo palavrão e mando tomar no cu esse bando de cuzão eu sou feliz ralé feliz ralei ralé.

04 agosto, 2008

Frutos e flores

Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas.
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.

(Marina Colassanti)