12 janeiro, 2006

S.O.S. para todos nós!


A morte me apareceu certa noite no quarto. Era uma menina vestida de negro, os cabelos loiros escorridos. O vestido era estufado, brilhoso. Assim que a vi, soube que era a morte. Recostou-se em um canto de parede à minha frente, os pezinhos cruzados, não usava sapatos.
Então, Hans, estás pronto?
Não, respondi-lhe agoniado.
Sorriu. Tinha os dentes negros e minúsculos. Assustei-me. Esperou que eu me acalmasse e perguntou:
Quanto tempo você ainda deseja?
Algum tempo.
Respondeu-me que era preciso que eu fosse mais preciso. A frase tinha humor e pude até sorrir. Disse-lhe:
Mais dez anos talvez.
Dez anos talvez, é hoje.
Impossível.
Não. Para ser mais exata: dez anos e dez dias. O tempo é outro quando eu apareço.
Senti náuseas e uma dor profunda no peito. Ainda pude perguntar-lhe:
Há uma outra vida?
Sim. Milhões de crianças como eu. Você será uma delas. É tedioso e até inaceitável, mas é assim.
O espelho do quarto refletiu um menino vestido de negro, calças curtas e camisa comum, os cabelos loiros escorridos. Olhei-me assombrado. Depois disso, nunca mais me vi.

Hilda Hilst

in Cartas de um Sedutor


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Que tal avivar o mito do Bambu Pelegrino neste nosso Brasil banguela e tão rico de ritos? Carnaval, Bicho, Bola, Anões, Saques, Cartolas , corruptas e obscenas cabriolas para escapar da jaula?
Oh, por favor, sorriam! Os corpos de todos nós estão curvos, os semblantes estão turvos, sorriam! Quanto a mim, tô saindo correndo, pois em vendo bambus, nestes tempos, só vejo tíbias.
E esculahmbem-se de novo por favor! Ando minguada e lívida de tanto amor!
Amor também doe, negada. Oi dói?

Hilda Hilst

in Cascos & Carícias
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Ao teu encontro, Homem do meu tempo,

E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras.
Te cantarei infinitamente
À espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses
Amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo
À tua mesa. As coisas serão simples
E redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza
E o difícil de antes,
Aparências, o amor
Dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra
Da semente. Te cantarei Aquele
Que me fe poeta e que me prometeu

Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti o que te deu.

Hilda Hilst

"Poemas aos homens de nosso tempo", parte IX

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