A Mãe da Rua é feminina, mas não mulher.
É um homem que nasceu com sensibilidade materna,
e tentou virar mulher.
Travestiu-se com seios de silicone,
virou a dama de todos os vagabundos.
É bonita e torta,
tem um braço quebrado
e uma perna quase morta.
Deve ter apanhado muito.
Ela me diz "bom dia" toda manhã
quando passo a caminho do trabalho.
Me deseja "bom serviço!",
acenando e sorrindo.
Ela é doce e delicada com os amigos
mendigos, maltrapilhos,
que compartilham o mesmo pedaço de calçada,
o mesmo pedaço de colchão de papelão,
às vezes o mesmo cobertor poído.
Mãe da Rua é vaidosa,
está sempre de rímel nos olhos
e unhas pintadas.
Apazigua as brigas da rapaziada,
dá comida na boca do bêbado
que se recusa a comer.
Mãe da Rua é o nome que eu criei
para esta figura anônima aos olhos dos transeuntes.
Ela não tem casa,
não tem dinheiro
nem dignidade.
Não sei seu nome,
nem sua idade.
Só sei que é triste
passar por ali todos os dias
e vê-la, sempre do mesmo jeito,
com toda simpatia,
até alguma beleza que foi mesmo beleza um dia,
a alegria dos miseráveis.
É triste porque a gente acaba se acostumando,
e assim nem ligando
para o que acontece ali.
A gente acaba abstraindo,
que do lado de lá da nossa janela,
existem milhares de pessoas
vivendo como vira-latas
nas grandes metrópoles.
Um dia um grande amigo disse:
"a gente é do tamanho dos nossos sonhos".
Essas pessoas sonharam,
ou tiveram pesadelos?
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