Por esses dias recebi um comentário a respeito do meu nariz. Fazia tempo que ninguém comentava sobre ele, que eu já tinha até esquecido o que exatamente ele é, ou pode ser, enfim. Tudo bem que o cara estava bêbado, mas suponho que geralmente os bêbados expoem suas verdades. Me apresentaram pra ele e o primeiro comentário ao olhar pra minha cara foi "mas que nariz é este, menina?"
Confesso que fiquei meio desconcertada e só consegui responder, com sorriso amarelo, "ainda bem que ele é meu". E as pessoas ao lado começaram a rir e a brincar, porque bêbados brincam, e brincam - aparentemente - com qualquer um.
Eu realmente tenho um nariz (mais que) avantajado e o pobre coitado já recebeu desde as críticas mais mordazes até as mais interessantemente doces a respeito.
Durante longos anos da minha vida eu sofri no íntimo mais íntimo do meu ser - aquele buraco que só a gente mesmo pode expiar - por conta de ter um nariz tão grande e desproporcional. Mas fui crescendo (e ele junto, claro) e passei a entender que na verdade eu, nem com muito esforço, atenderia aos quesitos da beleza clássica grega ou mesmo aos conceitos de beleza da contemporaneidade (agora pude aprender ainda mais sobre isso com um amigo que está estudando que estes conceitos da beleza grega permanecem até hoje). Ou seja, a grosso modo, meu nariz ou mesmo o meu físico aparente não atendem a nenhum quesito de beleza padrão que a nossa sociedade contemporânea impõe, e que minha única saída para isso seria lascar uma cirurgia plástica no pobrezinho. Também confesso que não me agrada a idéia de passar na faca só pra jogar uma parte dele fora. Tal foi o meu poder de aceitação, que qualquer mudança brusca nele me faria perder a identidade.
Um nariz grande pode ser sinônimo de coisas interessantes: alguma imponência, um bom suporte para os óculos, um ponto de referência para alguém sem localização ("está ali, ao lado da nariguda"), um olfato apurado (que eu tenho mesmo), um símbolo fálico, um bom acendedor de luz enquanto as mãos estão ocupadas.
E de fato, um nariz grande nunca passa desapercebido.
Então eu agradeço ao bêbado citado no começo desta história porque nisso tudo, agora, sem sorriso amarelo, eu posso realmente afirmar, com certo orgulho: Ainda bem que ele é meu.
E ele só pode ser lindo porque é meu.
Se todo mundo pensasse seriamente no absurdo que é tudo isso de ser feito de carne, mas também olhar as estrelas, de ter um rosto, mas também ter aquele buraco fétido, se todo mundo tivesse o hábito de pensar, haveria mais piedade, mais solidariedade, mais compaixão e amor. Hilda Hilst
15 julho, 2011
05 julho, 2011
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