Ah, e como sinto falta! As cartas todas escritas à mão. Tenho guardadas até hoje as cartas que minhas amigas trocavam comigo. Isso com nove, dez, até uns treze anos. Escrevia cartas quase todo dia pra elas. Aquelas vizinhas, eu corria e colocava por baixo da porta do apartamento. Não precisava tocar a campainha e dizer "você é minha amiga, como gosto de você!". Eu fazia isso através das cartas. E eram muitas. Todas escritas à mão. As da escola eu guardava pra levar no dia seguinte, era só dar bobeira, eu colocava dentro da mochila. Era legal. Gostoso abrir a mochila e ver um envelope com meu nome. Elas também faziam isso. Eu fazia desenhos também. Nas cartas. Pra enfeitar, sabe?
Tive uma infância enfeitada.
Eu quis escrever um livro. Mais de uma vez. Minha mãe me ensinou a usar a máquina de escrever. Eu devia ter uns oito anos. Achei legal essa coisa de máquina de escrever, sentia importância no que eu escrevia. Na verdade, isso também era só um enfeite. Máquina nenhuma mudaria a força das palavras. E nunca vão mudar. A força da palavra se encontra nela mesma.
Tive uma infância enfeitada.
Compunha umas músicas com meu irmão e depois ficava inventando coreografias para elas. Porque só cantar a música não bastava - eu tinha que dançá-las. E mais que dançar, eu e meu irmão gravavámos tudo num aparelho portátil de fita cassete. Horas e horas de fita cassete, com músicas e programas de rádio que nós inventávamos. A gravação era só um enfeite.
Tive uma infância enfeitada.
Os enfeites todos se foram, com o tempo. A criatividade exercitada a cada minuto sumiu. Abro pastas e gavetas e encontro entre poeira e papéis amarelados, as mais enfeitadas lembranças.
Essas lembranças me enfeitam a vida, com cores e sons, sempre que penso nelas.