03 novembro, 2011

das importâncias

... e uma hora ela soube que as coisas mais absurdamente importantes eram justamente aquelas dais quais ela não dava importância alguma...

trilha

Usando sapato de pedra, caminhar como?

trato

Eu e a vida fizemos um trato:

eu não tento resolvê-la, e ela não tenta me resolver.

Estamos quites.

22 outubro, 2011

lado 3

Eu que sofro da dor da solidão, tentei encontrar algo em mim que completasse o que achei que faltava, fiquei sentindo uma ausência fria de algo que nem presença teve. Fiquei assim, me olhando no espelho tentando procurar a profundidade do buraco, nem eu sei mais do meu buraco, do poço, nem nunca soube. Eu que sofro da dor da solidão não te encontrei na rua porque você já havia me encontrado, e tentei de jogar pra dentro do buraco, meus ocos todos gritando para que você viesse preenchê-lo. Não era nada disso, nem você me encontrou nem eu te encontrei, nem oco não carrego aqui, nem vazio, eu que pensei que tinha um vazio, eu que pensei, eu só fico pensando, e de tanto pensar nem me dei conta do que acontece, eu te criei e criei o meu buraco, eu criei tudo isso, eu criei o grito, eu criei a dor. E agora a sinto como se ela fosse verdade. Como se você fosse de verdade.

lado 2

Entrei na brincadeira, e dela não quis mais sair. E você entrou e saiu da jogada, me deixando com as cartas na mão, nem blefou ao menos, nem me consentiu a ideia vaga de quem ganharia o jogo. Mas não era um jogo de perdas e ganhos, era jogo de jogo, de brincar, e eu levei a sério a brincadeira, tão a sério que acabei perdendo o jogo, que era só um jogo, sem perdas ou ganhos, sem sorte ou azar. Era só jogar, só isso. E ponto.

lado 1

E seria tudo tão simples se eu não tivesse a capacidade de complicar, esta capacidade de achar um outro lado das coisas quando na verdade as coisas tem um lado só. E seria tudo tão mais fácil se eu tivesse a capacidade de não me limitar na projeção, não vivendo o hoje e o agora, deixando o acaso entrar, vivo iludida, achando que você viria me procurar, que viesse me dizer enfim aquilo que eu gostaria que me dissesse. Mas eu querer o que me digas não é o que vais me dizer, se é que afinal vais me dizer alguma coisa. Estou achando que não. Não vais me dizer nada porque não há nada a se dizer, e eu fico aqui, martelando neste outro lado da coisa que tem um lado só. Fico cavando buracos numa face inexistente, a face etérea do que eu criei pra mim. É isso. Eu criei o etéreo, tentei dar cor ao indizível. Eu criei um coração pra mim achando que ele era real, nem meu coração existe, porque se existisse, eu o saberia. E você não virá me dizer nada, porque tudo é tão simples, tudo que eu compliquei era demasiado simples, tão simples ao ponto de ser impossível.

17 outubro, 2011

temporária

como pedra preciosa
lapidada
brilhas para mim
refletido em sol de tarde
e enluarizo-me
rendida a um detalhe,
único e sucinto,
em cor carmim:
tua face ruborizada
- horizonte e vale -
que se perde quem procura
por seu fim.

Anoiteço-me depressa
pois me teço
com fios de linha fina
em tom lilás
e na luz destes teus olhos
me reconheço
até que amanheço
se teu sorriso
não se desfaz.

21 agosto, 2011

remoto

Do lugar remoto
o caminhante descobre a hospedaria.
A flor sobre a mesa.
A conexão entre os fenômenos.
A medida de uma grandeza solitária,
imberbe, ingênua e infeliz.
A janela aberta entre duas notas,
sinal-ruído no percurso do sonho.
O sol do sono vem iluminar a vida injusta
do caminhante que, sozinho,
na busca de sua impermanência neste mundo,
conquista o início daquilo que apenas acontece no fim.

A flor sobre a mesa permanece, intacta,
aguardando mesmo destino.

15 julho, 2011

o meu nariz

Por esses dias recebi um comentário a respeito do meu nariz. Fazia tempo que ninguém comentava sobre ele, que eu já tinha até esquecido o que exatamente ele é, ou pode ser, enfim. Tudo bem que o cara estava bêbado, mas suponho que geralmente os bêbados expoem suas verdades. Me apresentaram pra ele e o primeiro comentário ao olhar pra minha cara foi "mas que nariz é este, menina?"

Confesso que fiquei meio desconcertada e só consegui responder, com sorriso amarelo, "ainda bem que ele é meu". E as pessoas ao lado começaram a rir e a brincar, porque bêbados brincam, e brincam - aparentemente - com qualquer um.

Eu realmente tenho um nariz (mais que) avantajado e o pobre coitado já recebeu desde as críticas mais mordazes até as mais interessantemente doces a respeito.

Durante longos anos da minha vida eu sofri no íntimo mais íntimo do meu ser - aquele buraco que só a gente mesmo pode expiar - por conta de ter um nariz tão grande e desproporcional. Mas fui crescendo (e ele junto, claro) e passei a entender que na verdade eu, nem com muito esforço, atenderia aos quesitos da beleza clássica grega ou mesmo aos conceitos de beleza da contemporaneidade (agora pude aprender ainda mais sobre isso com um amigo que está estudando que estes conceitos da beleza grega permanecem até hoje). Ou seja, a grosso modo, meu nariz ou mesmo o meu físico aparente não atendem a nenhum quesito de beleza padrão que a nossa sociedade contemporânea impõe, e que minha única saída para isso seria lascar uma cirurgia plástica no pobrezinho. Também confesso que não me agrada a idéia de passar na faca só pra jogar uma parte dele fora. Tal foi o meu poder de aceitação, que qualquer mudança brusca nele me faria perder a identidade.

Um nariz grande pode ser sinônimo de coisas interessantes: alguma imponência, um bom suporte para os óculos, um ponto de referência para alguém sem localização ("está ali, ao lado da nariguda"), um olfato apurado (que eu tenho mesmo), um símbolo fálico, um bom acendedor de luz enquanto as mãos estão ocupadas.

E de fato, um nariz grande nunca passa desapercebido.

Então eu agradeço ao bêbado citado no começo desta história porque nisso tudo, agora, sem sorriso amarelo, eu posso realmente afirmar, com certo orgulho: Ainda bem que ele é meu.

E ele só pode ser lindo porque é meu.